segunda-feira, outubro 13, 2008

 
Conhecimento Estático.


Estava no metro outro dia e iam quatro universitários sentados a minha frente comentando, com muito deboche, sobre o fato de em alguns países os filmes serem dublados (ou dobrados) para a sua língua mãe. Daí, rapidamente já vieram as críticas em relação aos sotaques desta ou daquela nacionalidade ao falar inglês ou francês.

Em 17 anos de Portugal, sempre chamou-me a atenção a importância que os nativos dão em como se pronuncia uma outra língua, ou melhor, com que sotaque se pronuncia, pois ainda que a pronúncia seja clara, eles estão a espera de algum fator extra, de um talento vocal, que claro, eles julgam tê-lo em seu DNA (ou ADN).

O sotaque é a sonoridade típica e característica de um lugar e só quem nasceu nele, ou lá viveu por muito tempo, pode adquiri-lo. Mais, uma língua estrangeira exige movimentos musculares que podem ser incompatíveis com aqueles que temos desenvolvido para a nossa própria expressão e apenas o exercício é que traz a fluência.

Será sinônimo de ignorância, de desinteresse, um país adaptar uma programação televisiva para a sua língua? Mas afinal, o que interessa isso? Onde está a razão de tanta graça, de tantos comentários, em uma língua estrangeira ser tratada como tal?

Hás tempos o mundo foi alertado sob a pressão que a juventude japonesa enfrenta em idade de estudo, sobre os altos índices de suicídio derivados desta pressão. Pois como eu vejo, as últimas gerações de portugueses têm também vivido sob um tipo de pressão.

Existe uma tácita e silenciosa guerra-fria do conhecimento acadêmico instalada entre nós. É um fato, a juventude portuguesa devora informação académica e não só da sua área, pois nestes dias, conhecimento é status, é o que garante a posição de um dentro do seu grupo. É quase impossível se ter um conversa casual, pois a tangencia dos assuntos adjacentes é violentamente cobrada no rigor de detalhes e subitamente, ao invés de estarmos conversando, apenas relatando algo que ocorreu, estamos no meio de uma aula.

Quanto mais se sabe, mais o ego desta pessoa rejubila-se nesta realidade. Mas ao mesmo tempo, como eu vejo, é um conhecimento que, apesar de inequivocamente poder trabalhar a favor da ‘inteligência profissional’, tem se revelado estático para o crescimento emocional do indivíduo. É um conhecimento que se acumula e que de nada se diferencia de uma etiqueta da alta-costura, por exemplo.

No dia-a-dia, não percebo, não vejo, não sinto que todo este conhecimento, usado como arma, motivo de comentários e julgamentos, seja aproveitado para se estimular a parte sensível do viver, o lado humano. E talvez aí resida uma pista. A sociedade portuguesa jovem, dos 20 os 30 anos, parece postular o ser humano com apenas um lado, o da razão, logo, totalmente suprido.

Mas num país onde a missa do meio-dia de domingo lota as igrejas, ainda que nunca ouçamos falar ‘no amor pelo próximo’, onde tudo o que foge os cinco sentido é caso de ir ‘à bruxa’ e psicologia é para ‘tontinhos’ o que fazer com tanto ‘conhecimento’?

Esta gente conversa e não existe individualidade. Parece que estamos lendo as manchetes de um jornal, pois o assunto é sempre na mesma linha, as expressões linguísticas, os adjetivos, são sempre os mesmos. A homogênia de perfil impera.

Não se encontra a menor diversidade de credo, de política, de postura ou filosofia, todos aqueles temas que conferem a um individuo o seu lado relacional com o externo, o lado emocional do ser humano, aquele que afeta e é afetado pelo meio.

Todos os avanços, especulativos ou não, que despertaram a curiosidade e dedicação de milhares de pessoas no planeta nos últimos 50 anos, parece ainda, aqui, estar a espera de um ’25 de Abril’: Ufologia, espiritismo, budismo, esoterismo, taro, tai-chi-chuan, yoga, heiki, nutrição, super alimentos, higiene dentária, aeróbica, meridianos chineses, taoísmo, induísmo, gnosticismo, macrobiótica, psicologia, pedagogia, costumer service, pedras, magia, astrologia ou mesmo a prática cristã é apenas representado por uma irrisória… por quem mesmo?

Não tenho a intenção de depreciar, mas sim, de alertar, de combater esta frente insensível que amortece em si informação sem transformá-la, reciclá-la de volta ao meio.

O conhecimento que não é convertido em sabedoria associa-se ao lado pobre de um espírito e tornando-o arrogante, preconceituoso e superficial.

Uma boa semana para todos.

Eduardo Divério.

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