terça-feira, maio 29, 2012

 

Mais Um Ano



Fiz aniversário, pronto.  Caí do ‘muro’ que ainda me permitia vislumbrar os trinta, aterrissando de vez na cancha rumo aos ‘cinquenta’, que quando eu estudava acentuação gráfica na sexta série, do então primeiro grau, escrevia-se com trema e acento circunflexo no ‘e’.

E por falar nisso,  se o joelho não se chama mais rótula, Plutão não é mais um planeta e o Guaíba afinal é um lago, quais são, na verdade, as certezas às quais devo me manter fiel para esta corrida?

Tenho andado para cá a falar de evolução, do homem do terceiro milênio, de nos situarmos no tempo e espaço em que vivemos hoje, de reanalisar as memórias do passado pela lente do presente e buscar inspiração para se ter coragem de executar o quê quer que seja. O que falta?

Esperança e desejo.

Como foram meus anos - expressão lusitana para 'como foi meu aniversário' - recentemente, resolvi legar aqui minhas aspirações mais pessoais para o futuro:

Desejo conseguir respeitar os limites das pessoas. Mas não me envenenar, me pressionar, me magoar ou me ancorar por eles.

Desejo sempre compreender a dor alheia. Para que a minha própria dor não me cegue ou me ensurdeça condenando-me a solidão ideológica.

Desejo o sossego. Pois que pensar demais desvirtua a beleza simples e imediata de qualquer coisa, de qualquer pessoa.

Desejo continuar conhecendo gente nova. Mas que sejam pessoas que não resistam dividir comigo as coisas que lhes agradam, grandes ou pequenas.

Desejo manter a esperança que tudo vai certo. Pois que sem ela, de nada vale inspiração, compreensão ou compartilhar o quê quer que seja.

E desejo também ganhar no euro milhões, pois como vocês bem sabem o que penso, espírito nenhum se sustenta sem um corpo e manter um corpo é oneroso.  ;)

Parabéns para mim, por até aqui ter chegado.

Uma boa semana a todos.

Eduardo Divério.

sábado, maio 19, 2012

 

A Natureza Humana de um Amigo



Minha mãe dizia que amigos são os dentes e que mesmo assim, vez por outra, eles mordem. Já eu sempre senti-me  aliciado pelo simples fato de amigos, ao contrário de família, poderem ser escolhidos e ‘desescolhidos’.

Em 2010 eu escrevi, neste blog, algo sobre a amizade. Todos sabem da importância de uma amizade, de se ter amigos. Contudo, sabemos que nem tudo é um mar de rosas e o que me chama a atenção, na verdade, em muitos casos a minha volta, é a densidade, a profundidade orgânica em que por vezes as pessoas se relacionam e se perdem umas das outras. E isso, numa relação onde não se divide a mesma cama e nem há troca de fluídos, é no mínimo... curioso.

Acho que existe uma tendência ingênua, pueril ou até romântica, de se procurar um extremo conforto, uma confiança cega talvez, naquele ou naqueles mais próximos, aqueles a quem mais facilmente nos referiríamos como melhores amigos. Não só, o dito ‘amigo’ parece ter um sinistro predicado onde se espera uma pessoa de alta virtuosidade, sapiência, paciência extraterrestre e rígida moral! Ou seja, um ser perfeito!

 Mas um amigo não é uma entidade mitológica, dotada de energia Zen que viva de um sistema de autocombustão como o sol! Com constituições normais, eles são elementos compostos por 206 ossos, músculos, sistemas e aparelhos vitais e uma psique que lida com um historial único, com metas individuais e filosofias próprias no gerenciamento do seu próprio viver.

Exatamente por causa do conforto, da confiança e, ouso dizer, principalmente do amor, inevitavelmente desenvolver-se-ão processos de transferência, projeção, sublimação e até negação nestas relações e na nossa cultura comum, não nos é habitual prestar atenção a esses processos. Aliás, na nossa cultura social atual, questiono-me, quantas pessoas sabem o que é transferência ou projeção e ou como funcionam.

Estou certo que você, lendo este texto agora, tem uma mágoa, um ressentimento, enfim, uma história finalizada, ou em suspenso, com algum amigo devido à traição, incompreensão, negligência ou abuso. Mas onde estão as réguas que nos ajudam a medir os níveis das verdadeiras responsabilidades durante um desacordo relacional entre amigos?

Imagine duas melhores amigas (eu não curto muito este conceito de ‘melhor amigo’, mas é comum) onde uma quer muito engravidar e não consegue e a outra, devotada a carreira profissional, está na iminência de fazer um aborto, uma vez que uma criança não está nos seus planos.
Como alguém que quer muito gerar uma vida, consegue se envolver em algo onde lhe é esperado protagonizar o papel de apoio a um processo onde se põe fim a uma? Dar suporte a alguém que ainda por cima sabe o quanto esta amiga quer ser mãe?   

Criamos ou iniciamos processos, mudanças em nossas vidas, que imperceptivelmente desencadeiam processos de questionamento em nossos amigos, o exigir de um readaptar-se a uma nova realidade e isso expõem-lhes as suas próprias  neuroses, medos,  e muitas vezes,  o impacto é tamanho, que eles precisam de suas totais energias para garantirem que suas próprias estruturas não venham a ruir. Logo, demonstram-se menos disponíveis para desempenhar o papel de amigo.

Outro exemplo disso seria quando um grupo tem que lidar com a separação de um casal que lhes era referência em termos de durabilidade e até modelo de relação. As opiniões dividem-se, surgem mil teorias para salvar a relação, listam as razões do fracasso e exploram as fraquezas das pessoas envolvidas quando apenas o casal sabe o porquê da ruptura.

Mas existe ainda outras situações; a vida de ninguém pára porque nós estamos enfrentando problemas e na verdade, muitas, muitas vezes, nossos amigos também estão enredados com seus próprios dilemas, presos por decisões a tomar, ou simplesmente casados de alguma rotina desgastante que há muito vivem e também não têm como, ou de onde tirar energia, para dar suporte.

No terceiro milênio, existe uma má tendência, egodistônica, em acharmos que nossos problemas são a prioridade da vida. De fato são, mas na nossa vida! Contudo, nossa vida, está integrada num plano maior, com outras vidas, família, amigos, colegas e estranhos e mais os problemas ecológicos, mais a fome pelo mundo, a tirania...

Com isso eu quero dizer que temos uma tendência a voltar nossos olhos para nossa dor de uma forma como se tudo à volta pudesse esperar enquanto nos recuperamos.
Apenas cada indivíduo sabe o quanto lhe custa sair da cama de manhã e iniciar seu dia.
Muito facilmente listamos argumentos de profunda lógica, muito bem fundamentados, concebidos com o apoio dos mais antigos conceitos de comportamento social e deveres de amigos, sem nos lembrar que viver tem um custo para todos e que é uma ousadia muito feia medir a ajuda recebida.

Não é difícil avaliarmos quem convive conosco. Facilmente sabemos com que podemos contar e com quem não devemos esperar poder contar.  Nossos verdadeiros amigos revelam-se por inúmeras situações, mas estejam certos e prontos que: eventualmente, irão ‘nos deixar na mão’! Tanto quanto, eventualmente, o retorno deles a nossa vida fazer-se-á repleto de satisfação.

Nossa dor atinge uma frequência que apenas nosso cérebro codifica.

Todos à volta estão lutando para serem felizes, enfrentando seus problemas. Como você.

Eu dedico este texto a todos os meus amigos a quem a minha dor cegou-me ao risco de perdê-los. Obrigado por ainda estarem na minha vida!

Uma boa semana a todos.

Eduardo Divério. 

segunda-feira, maio 07, 2012

 

Idade Média Recorrente



De uma forma geral, a Idade Média foi o período da nossa história com maiores ocorrências sinistras, com crenças espirituais e religiosas de profundo domínio sobre as sociedades e com eventos marcantes, que ainda existem como permanentes marca-páginas temporais, sinalizando feridas e chagas, cicatrizes que marcaram o curso comportamental da humanidade.

Contudo, apesar de facilmente termos acessos a estas páginas da História, parece que também facilmente ignoramos os contextos pisco-filosófico-sociais em que estes fatos estavam inseridos e de alguma, confortante, conveniente forma, não fazemos comparações e nem relacionamos estas lições ‘aprendidas’ com o nosso atual curso contemporâneo.

Por aqueles tempos, vivia-se uma constante insegurança, de vida mesmo. Se pegarmos uma Inglaterra como referência, as vilas e povoados espalhados por toda a ilha, estavam sob constante ameaça de invasões tribais ou mesmo estrangeiras, disputa por domínios ou mesmo mero roubo, e ainda pagavam altos impostos aos seus governantes, vivendo praticamente em miséria.

Importante lembrar também que falamos de uma época onde não se sabia o que eram micro-organismos e que os maus hábitos de higiene podiam causar sérios danos à saúde. As cidades tinham suas ruas cobertas de restos de comida putrefata e restos escatológicos humanos. Falamos de uma época em que um corte ao fazer a barba podia gerar uma infecção fatal.

Mas acreditava-se que as doenças transmitiam-se por possessão, ou seja, uma pessoa doente ficava curada se passasse sua doença para outro. Devido esta crença, surgiram as mais diversas formas de tentativa de se livrar das mesmas. Pequenos animais eram postos em contato com as feridas e abatidos depois, na esperança que com eles 'morresse' a doença;  amputavam a mão de um recente defunto humano e a passavam-na sobre a peste, enterrando-a junto com seu corpo logo a seguir, de forma à doença ser levada pela morte ou, passava-se um objeto qualquer sobre a anomalia e o atirava longe na rua, como se fosse algo perdido, assim quem o achasse, receberia a doença que automaticamente abandonaria o verdadeiro dono de tal objeto.

Mas quando a doença não causava irritações de pele, ou feridas purulentas, quando elas tinham um caráter estranho que fazia as pessoas desmaiarem ou terem convulsões, a causa era associada a possessão por maus espíritos ou demônios. Totalmente desavisados dos efeitos de um tumor no cérebro, do que era uma queda de pressão ou um ataque epilético, a cura, que muito frequentemente causava a morte por infecção, era fazer um corte no escalpo da pessoa e literalmente abrir um buraco no crânio, de forma que o mau espirito por ali escapasse.

Em 1665, quando a segunda vaga de peste negra abateu a Inglaterra, as pessoas estavam convencidas que maus espíritos e demônios faziam os produtos orgânicos alimentícios apodrecerem e que o seu mau cheiro era a razão da doença.  Nos contos de Thomas Hearne, ele relata como as casas eram defumadas com folhas de tabaco e outras ervas de mais ameno aroma. Peças de roupas eram encharcadas em vinagre e estendidas dentro das casas de forma a purificar o ar e as pessoas que praticam estes métodos, andavam cobertas por túnicas de couro, com um capuz sustentando uma projeção horizontal na altura do nariz, como se fosse o bico de uma ave. Dentro dele, eram depositados rosmarinho, funcho e erva doce, de forma que o ‘curandeiro’ não sentisse os maus cheiros à volta, logo, não contraísse a doença.

E claro, ainda nesta época, doenças venéreas como gonorreia,  eram um castigo divino à corrupção da alma. O tratamento consistia na pessoa isolar-se numa cela e autoflagelar-se até que sua dor fosse reconhecia pelo Senhor como arrependimento e então, talvez, lhe seria concedida a cura.

Imagine-se a viver numa época onde a comida era escassa, onde se ignorava os conhecimentos mais básicos de medicina, química, física e saúde. Imaginem um tempo onde sua vida ou tudo o que você possui, está sempre sob a ameaça de perda, que alguém mais forte lhe roube, que um espírito possa lhe possuir ou que ainda, possa contrair uma doença por um mau odor no ar.

Não vou fazer referência comparativa às crenças ou aos métodos de curas semelhantes que ainda hoje se praticam pela Ásia e hemisfério sul de forma geral. Mas acho que cabe fazer uma referência ao poder da crença em si. De qualquer crença; religiosa, filosófica ou mesma científica. Da forma como, em termos de comportamento, reagimos e sucumbimos ao seu poder, a sua sugestão.

O desconhecido, a falta de certeza, a falta de experiência com algo novo, atraí o ser humano a se pôr de imediato numa posição defensiva, ao mesmo tempo em que ainda também busca uma proteção, divina ou espiritual, para tal ameaça. Uma faceta em nós que de forma comum ignoramos, ou melhor, desconhecemos.  Dá origem a preconceitos, à fundamentação reacionária que aumenta o gap entre gerações e gera angústia e desconforto à minorias.

Não devería, mais, nos ser desconhecido o como lidamos com o desconhecido.  Deveríamos, já, dominar mais, de forma comum, nossos medos e limitações mas infelizmente o que parece-me comum é, por crenças e religiões, manterem as pessoas retardadamente presas a pré-conceitos, a fantasiosas promessas e profecias, lançando as pessoas numa constante Idade Média mental de se viver.

Fui abatido por uma profunda tristeza agora, desânimo talvez... Tudo poderia ser tão mais... evoluído?

Uma boa semana a todos.

Eduardo Divério.

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