quarta-feira, abril 02, 2014
Humor de graça, sem graça e nem de graça.
Há alguns meses, tive a oportunidade de ler os resultados de uma pesquisa qualitativa que fizeram a cerca de como a comunicação social inglesa se posiciona em relação às doenças mentais. Lembro-me que o jornal The Independent foi citado por não ter o menor senso de esclarecimento no que toca este tema, de um ponto de vista clínico, e menos ainda, de como é a vida das pessoas que, de alguma fora, estão relacionadas com estas doenças. Logo, escrevem completamente à deriva no senso comum, a alimentar estereótipos de ‘loucura’ e insanidade.
Nas
conclusões da pesquisa, surgiu uma questão de impacto, quiçá apenas sensível:
Por que os pacientes de doenças mentais são menos respeitados do que os
pacientes de cancro na mama?
O cancro da
mama é uma doença relativamente nova e depois, pode afetar sua mãe, sua esposa,
sua irmã ou sua filha! Logo, ele apresenta um carácter indiscutivelmente sério,
penoso, fúnebre e, claro, possível de lhe atingir. Em contrapartida, os famosos
asylums dos séculos XVIII e XIX,
firmaram um longo legado de ‘loucura’. Mas note que, não eram apenas pessoas
que sofriam de alucinações que iam lá parar, mas qualquer uma que desviasse dos
fundamentais valores que sustentavam os padrões de estruturas da sociedade. Por
exemplo, nesta época, uma moça de renomeada família que não quisesse se
casar e ter filhos, só poderia estar louca e mais valia tê-la em tratamento do que
a viver envolta em vergonha e descrédito social.
Contudo, e
para efeito de ilustração, sabemos hoje que doenças mentais vão de esquizofrenia à
depressão e que entre elas, há uma lista de outras tantas. Também há níveis de
sintomatologia diferentes e muitos pacientes seguem com suas atividades
normais, a trabalhar, a estudar, sendo pais, enfim. De qualquer forma, longe do
estereotipo da loucura.
Mas na sociedade
atual, onde pessoas formadas por universidades ainda não sabem exatamente a
diferença entre um psiquiatra e um psicólogo, como são vistos estes elementos?
A verdade é que as pessoas não sabem, mas acabam por dar ouvidos a um sussurro
ou outro, do velho, irresponsável, centenário, e muitas vezes inapto, senso comum
a dizer: São loucas. E pessoas loucas vivem fora da realidade, logo, não há no
quê serem levadas a sério!
O longo e
batido estereotipo da loucura tem um efeito quase empírico em nossas vidas.
Carrega uma série de pequenos outros conceitos e adjetivos anexados a ele que
também lhe atribui um estado de conformidade, ao mesmo tempo em que não nos
suscita uma reavaliação, reforçando o preconceito.
Por puro
preconceito, pura falta de informação, indução, não nos permitimos
compreender e respeitar os significantes predicados e aspectos das doenças
mentais, mesmo com todos os avanços científicos e a nova edição do DSM, como se
faz com o cancro da mama.
Mas então
será por isso que encontramos tantas piadas e anedotas insensíveis, com
conotação à ‘loucura’, e quase nenhuma a brincar com o cancro da mama? Será que
justificamos o como se vive o tal sentido de humor, apenas pela noção do que respeitamos
ou não, por tácita ignorância e conformismo mental?
Se nesta comparação
(cancro da mama versos doença mental) eu substituísse ‘doença mental’ por 'homossexualidade', por exemplo, estou certo que teríamos o mesmo efeito explicado
pelas mesmas razões.
A
homossexualidade tem igualmente uma longa história de rejeição, mais longa
ainda do que as doenças mentais. Tem sido associada à marginalização,
depravação, pecado e aberração. Nos anos 80 e 90, era o evento favorito dos programas
humorísticos populares que exploravam estereótipos, bem como a imagem da mulher
gostosa, mas burra. Ou seja, quando se tem um pré-conceito de um assunto tão
bem divulgado e explorado, sentimo-nos praticamente ilibados em poder dar
continuação há algo que já existe e não só! O conforto é tamanho, que mesmo em
frente à noção que os tempos e a legislação mudaram, recusamo-nos a enxergar
que fazer piadas de ‘loucos’, ‘bichas’, ‘pretos’, ‘ciganos’, ‘gordos’ e
‘amarelos’ deveria nos causar o mesmo mal estar que nos impede de fazer uma
piada sobre o cancro da mama!
A
subjetividade filosófica com que as pessoas querem defender a indelicadeza de
achar divertimento, onde outros encontram luta e desconforto para viver, é esta
sim, a verdadeira piada.
Existe uma
diferença em anos luz, em se criar uma personagem, ainda que estereotipada, e
fazer com ela se torne engraçada, comparado com apenas em querer que lhe ache
graça.
Uma boa
semana para todos.
Eduardo
Divério.