quinta-feira, agosto 20, 2015
Impeachment Pessoal
Desde que deixei o Brasil em 1992, tenho lá retornado para férias de tempos em tempos. Lembro-me que a década de 90 foi muito difícil, principalmente os anos à volta ao impeachment do presidente Collor de Mello. Em lá chegar, encontrava a minha gente num estado de pobreza muito grande. Os Gaúchos que costumam se vestir de forma elegante durante o inverno, apresentavam-se com roupas enxovalhadas e desbotadas. Havia processos de seleção que envolviam testes psicotécnicos seguidos de múltiplas entrevistas para uma vaga de vendedor de materiais de construção ao balcão de loja. O comércio representado por lojas abertas desde a minha infância transformara-se numa realidade desconhecida para mim, até desértica. Mas os anos seguiram e o Real começou a ganhar reconhecimento internacional como moeda estável, enquanto o país lentamente distanciava-se dos tempos da ditadura, mergulhados, porém, na ilusão de ‘ordem e progresso’.
Mais de
vinte anos depois, observo um Brasil dividido e confuso.
É inegável
que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a fazer o mundo a olhar para
o Brasil como um país próspero. As notícias cá fora falavam de recuperação e de
exemplo. Voltar de férias ao Brasil passava-me exatamente esta sensação, pois
eu via que os Brasileiros estavam com uma vida melhor, com mais 'qualidade'. Mas de
repente, com a subida da primeira presidente do sexo feminino ao Planalto,
sucessivos escândalos começaram a vir à tona e hoje, temos uma nação dividida
em inúmeros grupos que, confusos e talvez até mesmo por pura falta de opção, coligam-se
a outros grupos maiores e lá pelas tantas, grupo nenhum representa mais um coeso pensamento coletivo.
Sem
diferença alguma de países como Inglaterra ou Portugal, o Brasil é um país
estruturado sobre um mecanismo tácito de privilégios e favoritismos. Quem
nasceu em famílias mais ricas ou de prestígio social, facilmente consegue
postos de trabalhos e facilidades irreais de empréstimos bancários. E este
padrão repete-se em diferentes escalas e assuntos: quem nasceu caucasiano tem
privilégios sobre os de outras raças, quem nasceu heterossexual tem privilégios
sobre os homossexuais, o sexo masculino tem privilégios sobre o feminino e esta
escala pode ser numerosa. Faz parte, quiçá, de uma inexistente reforma sobre os
valores imperialistas e monárquicos que apesar de hoje estarem mais distantes
de nós do que a própria ditatura, ainda esgueiram-se por as entrelinhas de
nossas conversas, pelo nosso comportamento e pelos nossos silenciosos
pensamentos.
Evidência
disso é a forma como entendemos o que é ‘qualidade de vida’. Realmente, acabou-se aquele dominante desfile
de sucatas em quatro rodas com mais de 20 anos pelas estradas. Há melhores
condições de habitação, de alimentação e os Brasileiros circulam pelo mundo sem
aquele vexame constrangedor de há 20 anos, quando precisávamos de vistos e
garantias para fazermos turismo pela Europa ou Estados Unidos. Acima de tudo, o
povo ganhou poder aquisitivo; e aqui começa a ilusão: Frutos de uma cultura
imperialista e monárquica, o Brasileiro comum contenta-se e alegra-se em listar seus bens matérias.
Ter um carro relativamente novo, uma casa bem decorada, roupas da moda,
equipamentos de última geração e muito estilo (e isso abrange todo o espectro
possível do conceito) é definitivamente satisfatório, necessário. O Brasileiro
comum ainda vive da imagem, do exibir das posses para garantir um pseudo-lugar na
sociedade. Pelos últimos 20 anos, a língua falada e escrita degenerou-se ao
ponto das pessoas não saberem mais soletrar palavras continuamente usadas no
nosso dia-a-dia. Mas esta característica não é apenas comum aos vendedores
ambulantes ou moradores de favelas, ela é encontrada entre universitários,
doutores e, vergonhosamente, jornalistas. O país não tem hospitais ou médicos
que cheguem, não tem escolas descentes, mas o povo, como os Romanos há 2000
anos, delira pelo BBB e pelas novelas que só alimentam esta tácita e silenciosa
estrutura imperialista enquanto promovem falcatruas, vinganças e traições.
Eu curto
uma novela. Ainda mais tantos anos longe do Brasil, quando começo a assistir
uma, prendo-me. Como uma boa ficção, o enredo irreal e fantástico que reúne uma
‘fauna’ de personalidades desajustadas entretém-me como qualquer outra estória
de um livro ou de um filme. Mas como um povo que não sabe escrever e não tem
formação pode diferenciar ficção de realidade?
Esta mesma
’vibração’ imperialista que mantém o povo entretido, também mantém-no num
constante estado passivo de espera. O governo que resolva. O governo é quem
manda. O governo é que decide. Alguém reconhece algum traço de democracia neste
tipo de latência? Saberá o povo o que é democracia?
Brasileiros,
parem de esperar que um sistema corrupto poderosíssimo possa mudar assim, sem
fundamento, sem estrutura e da noite para o dia. A única coisa que pode mudar
isso é cada um de nós exercer um papel social mais ativo onde cada um de
nós pode primar por qualidade. Eduquem
seus filhos em casa e sirvam de exemplo e aos poucos os ordinários no Planalto
hão-de ser substituídos. Estudem mais, corrijam-se mais, defendam seus direitos
de forma íntegra. Zele pelo direito dos outros, respeito o espaço dos outros.
Você que é enfermeira, médico, professor, psicólogo, socióloga, empenhe-se pelo
juramento feito a sua profissão e não pela suposta qualidade que retorna como
fruto de seu trabalho. Seu conceito de qualidade tem estado deturpado ou no
mínimo incompleto. Assumir este comportamento íntegro, esta atitude valorosa,
vale muito mais do que bater panelas e assoprar apitos enquanto se ofendem
pessoas que na devida escala, não são diferentes de vocês.
Eu vivo
assim? Sim, vivo. Esforço-me para isso. Sinto-me um embaixador da cultura Brasileira
no exterior e para contradizer a imagem de vagabundo,
ignorante e mau caráter que temos aqui fora, só tenho como recurso o meu comportamento, a linguagem que
uso e o conhecimento que expresso. E sequer tenho filhos para dar exemplo...
Quer um
Brasil melhor? Comece já por construir um.
Uma boa
semana para todos.
Eduardo Divério-Marques