segunda-feira, agosto 07, 2006
Medidas desesperadas em tempos de desespero
Na segunda-feira da semana passada, dia 31 de Julho, ocorreu a explosão de um apartamento que acabou por demolir a fachada do prédio numa zona central de Lisboa.
Não eram mais do que duas da tarde quando meu flatmate telefonou-me em notório estado de pânico. Passa-se que o prédio em questão é vizinho do nosso, 20 metros abaixo na rua. Meu amigo estava fechando a porta do nosso edifício quando a onda de choque o atingiu. Uma outra vizinha que estava em frente de sua casa chegou mesmo a ser atirada ao chão. De seguida, uma segunda onda, de fumaça, tomou conta da rua e então ouvia-se: ‘O Luís matou-se! O Luís matou-se!
Pelo celular, eu acompanhei as reveladoras narrativas do que meu flatmate via. Ao que se sabe, o dito Luís é um senhor com mais de setenta anos que vinha ameaçando se matar caso a ordem de despejo, que findava naquele dia, não fosse revogada. O Luís sobreviveu ao acidente e todos os seus vizinhos condôminos tem passado, desde então, a noite em casa de parentes ou amigos.
As pessoas revoltadas lamentavam que o Luís não tivesse morrido e que, ainda por cima, houvesse destruído a vida de seus vizinhos. Como a minha primeira reação é sempre achar que a pessoa apenas não soube dimensionalizar a consequência que seu ato traria, ocorreu-me então que o Luís, naquela idade e na iminência de perder seu lar, deveria estar muito cansado, muito desorientado e talvez, perceba muito pouco de leis básicas da física.
Acho que o cansaço faz destas coisas. O ato repetitivo de situações que nos desgastam ou que não nos trazem a menor satisfação, resulta em cansaço. Não sei da vida desta pessoa, não conheço a sua história e com que tipo de equilíbrio psicológico ele vivia, mas estou certo que existem muitos mais ‘Luís’ a nossa volta do que podemos supor. Mas o que mais me assusta é o futuro. Poderemos nós nos transformar num ‘Luís’?
Há muito que as pessoas parecem escolher suas profissões de acordo com o mercado e não com suas vontades. Quando eu era criança, eu fantasiava que viveria num bairro perto ao meu irmão mais velho, visitar-nos-íamos de forma que nossos filhos pudessem crescer no exercício familiar e meus pais estariam sossegados, vivendo da aposentadoria. Eu e meu irmão moramos em continentes diferentes, sequer eu tenho filhos e meu pai com 65 anos, ainda trabalha como se tivesse 35.
Se passamos um terço de nossas vidas dormindo, estaremos a usar os outros dois terços de forma sadia e inteligente? Estaremos nós dando os reais valores e atenção às coisas que nos fazem felizes? Talvez simplificar possa ser um caminho, quiçá um plano. De repente podemos estipular períodos de nossa existência em vamos simplificar a mesma. A cada dia nossas células envelhecem e o dia da nossa morte é mais próximo, então tem algum sentido em viver “nadando contra a maré”?
Claro que o “nadar contra a maré” acaba por ser demasiado subjetivo, pois é totalmente baseado na moral do indivíduo. O Luís por exemplo, entre receber ajuda da assistência social ou matar-se no meio de uma explosão, como se não houvesse mais para onde ir ou o que fazer, mesmo que de alguma forma esta pessoa tenha gerenciado chegar lá mais de 70 anos depois de ter vindo ao mundo, preferiu morrer. Mas isso intriga-me. Terão estes 70 anos sido tão maravilhosos que a pessoa não tinha experiência de fracassos e não sabia o que fazer ou teriam sido 70 anos de fracassos e uma morte rápida parecia alívio para uma alma cansada? Não faz diferença. No meu ponto de vista, a resposta está sempre em como ajuizamos a vida e nos julgamos nela.
Não podemos virar as costas para a evolução do nosso tempo e virarmos Amishes, talvez. Mas podemos dar a César o que é de César e com isso eu quero dizer que precisamos sempre, periodicamente, de processos de reavaliação, onde nossas decisões devem ser medidas e as consequências destas, analisadas para se redefinir o caminho, ainda que possamos optar por continuar no mesmo. Permitir-se novos cenários pode aumentar as possibilidades de escolha.
É evidente que o conteúdo deste texto passa a leste para muitas pessoas, consideradas por mim como felizardas, mas de certo, cada elemento deste grupo há de ter um possível “Luís” por perto. Alguém cansado, alguém vivendo no piloto automático que tenha perdido a capacidade de enxergar, escolher e extrair da vida o que ela tem de melhor. Assim, antes que você possa ser o próximo vizinho de um “Luís”, fique esperto!
Tenham uma boa semana.
Eduardo Divério.
Na segunda-feira da semana passada, dia 31 de Julho, ocorreu a explosão de um apartamento que acabou por demolir a fachada do prédio numa zona central de Lisboa.
Não eram mais do que duas da tarde quando meu flatmate telefonou-me em notório estado de pânico. Passa-se que o prédio em questão é vizinho do nosso, 20 metros abaixo na rua. Meu amigo estava fechando a porta do nosso edifício quando a onda de choque o atingiu. Uma outra vizinha que estava em frente de sua casa chegou mesmo a ser atirada ao chão. De seguida, uma segunda onda, de fumaça, tomou conta da rua e então ouvia-se: ‘O Luís matou-se! O Luís matou-se!
Pelo celular, eu acompanhei as reveladoras narrativas do que meu flatmate via. Ao que se sabe, o dito Luís é um senhor com mais de setenta anos que vinha ameaçando se matar caso a ordem de despejo, que findava naquele dia, não fosse revogada. O Luís sobreviveu ao acidente e todos os seus vizinhos condôminos tem passado, desde então, a noite em casa de parentes ou amigos.
As pessoas revoltadas lamentavam que o Luís não tivesse morrido e que, ainda por cima, houvesse destruído a vida de seus vizinhos. Como a minha primeira reação é sempre achar que a pessoa apenas não soube dimensionalizar a consequência que seu ato traria, ocorreu-me então que o Luís, naquela idade e na iminência de perder seu lar, deveria estar muito cansado, muito desorientado e talvez, perceba muito pouco de leis básicas da física.
Acho que o cansaço faz destas coisas. O ato repetitivo de situações que nos desgastam ou que não nos trazem a menor satisfação, resulta em cansaço. Não sei da vida desta pessoa, não conheço a sua história e com que tipo de equilíbrio psicológico ele vivia, mas estou certo que existem muitos mais ‘Luís’ a nossa volta do que podemos supor. Mas o que mais me assusta é o futuro. Poderemos nós nos transformar num ‘Luís’?
Há muito que as pessoas parecem escolher suas profissões de acordo com o mercado e não com suas vontades. Quando eu era criança, eu fantasiava que viveria num bairro perto ao meu irmão mais velho, visitar-nos-íamos de forma que nossos filhos pudessem crescer no exercício familiar e meus pais estariam sossegados, vivendo da aposentadoria. Eu e meu irmão moramos em continentes diferentes, sequer eu tenho filhos e meu pai com 65 anos, ainda trabalha como se tivesse 35.
Se passamos um terço de nossas vidas dormindo, estaremos a usar os outros dois terços de forma sadia e inteligente? Estaremos nós dando os reais valores e atenção às coisas que nos fazem felizes? Talvez simplificar possa ser um caminho, quiçá um plano. De repente podemos estipular períodos de nossa existência em vamos simplificar a mesma. A cada dia nossas células envelhecem e o dia da nossa morte é mais próximo, então tem algum sentido em viver “nadando contra a maré”?
Claro que o “nadar contra a maré” acaba por ser demasiado subjetivo, pois é totalmente baseado na moral do indivíduo. O Luís por exemplo, entre receber ajuda da assistência social ou matar-se no meio de uma explosão, como se não houvesse mais para onde ir ou o que fazer, mesmo que de alguma forma esta pessoa tenha gerenciado chegar lá mais de 70 anos depois de ter vindo ao mundo, preferiu morrer. Mas isso intriga-me. Terão estes 70 anos sido tão maravilhosos que a pessoa não tinha experiência de fracassos e não sabia o que fazer ou teriam sido 70 anos de fracassos e uma morte rápida parecia alívio para uma alma cansada? Não faz diferença. No meu ponto de vista, a resposta está sempre em como ajuizamos a vida e nos julgamos nela.
Não podemos virar as costas para a evolução do nosso tempo e virarmos Amishes, talvez. Mas podemos dar a César o que é de César e com isso eu quero dizer que precisamos sempre, periodicamente, de processos de reavaliação, onde nossas decisões devem ser medidas e as consequências destas, analisadas para se redefinir o caminho, ainda que possamos optar por continuar no mesmo. Permitir-se novos cenários pode aumentar as possibilidades de escolha.
É evidente que o conteúdo deste texto passa a leste para muitas pessoas, consideradas por mim como felizardas, mas de certo, cada elemento deste grupo há de ter um possível “Luís” por perto. Alguém cansado, alguém vivendo no piloto automático que tenha perdido a capacidade de enxergar, escolher e extrair da vida o que ela tem de melhor. Assim, antes que você possa ser o próximo vizinho de um “Luís”, fique esperto!
Tenham uma boa semana.
Eduardo Divério.