segunda-feira, setembro 11, 2006
Incompatibilidade.
A incompatibilidade, na minha opinião, não se discute, não se argumenta. Lamenta-se e seguimos com nossas vidas. Claro que isso é de uma forma geral, pois nas relações mais próximas, a tendência natural, e equilibrada, será a de tentar achar uma melhor forma de se conviver com ela.
Às vezes, por iniciativa alheia, ela até se dissolve, como se fato fosse um comportamento, uma característica adquirida que estava crescendo sem que se tivesse consciência. A pessoa sendo confrontada, alertada desta “nova situação” acaba por ter chance de expurgá-la.
É notável como pessoas que se conhecem a imenso tempo podem atravessar uma fase de tamanha incompatibilidade que apesar de todo o carinho, fundamentado em saudáveis memórias do passado, torna o convívio cansativo. O problema é saber se esta fase não passará a ser um “estilo de vida”.
Penso que vamos adquirindo comportamentos e manias, ou em outras palavras, vamos envelhecendo. Quando era criança, eu me perguntava por que meu avô era tão ransinza. Mais tarde, perguntava-me se ele sempre teria sido assim. Se não, quando aquilo teria começado?
Eu vivo num constante processo do exercício de desafirmação de alguns comportamentos que eu adquiri quando criança. Quero que sejam diferentes, então estou sempre atento e esforço-me para evitá-los ou controlá-los, de forma que eventualmente eu ganhe esta batalha. Então ocorreu-me que este é exatamente o processo em que vamos adquirindo incompatibilidades com o mundo, só que ao inverso.
Amigos, num passado nem tão distante, que varavam madrugadas a dentro com risadas, piadas e todos os ruídos provenientes de um encontro de final de semana, hoje, depois de serem pais, pedem-nos para falar baixo.
Outros, que se acabavam numa pista de dança no meio de toda aquela gente, hoje não suportam passar mais do que uma hora num bar movimentado. E assim vamos. Nosso sono parece ficar cada vez mais leve e qualquer coisa nos acorda. O rádio do vizinho está sempre num volume no limite do desrespeito e o cachorro ladrando na rua, deveria ser levado pela “carrocinha” e virar sabão!
Quando é que estas coisas começam a nos incomodar e sem que percebamos, passamos a postulá-las, hora após hora, até que nos transformamos naquele “velho da praça” de nossas infâncias?
O mundo globalizado esmagou o tempo em que testes vocacionais ajudavam-nos a escolher nossa profissão. Hoje, seguimos o mercado. Ajustamo-nos ao jogo na tentativa de se poder manter alguns de nossos sonhos e ideais de vida. Obviamente, o preço que se paga por isso é alto, contudo, idealismos à parte, não vejo que tenhamos tantas opções assim. (Considerando o que queremos manter. Opções sempre existem, seguidas de suas consequências, aí, talvez, incompatíveis com nossos sonhos e ideias).
Vamos cansando, vamos tendo que centrar nossas forças numa autêntica engenharia de sobrevivência e acabamos por nos sentir esgotados e sem paciência para lidarmos com coisas menores. Talvez, estas coisas sempre teriam incomodado. Contudo, como imunes, tínhamos um antídoto, algo que nos protegia, tornando-as imperceptíveis.
Aos poucos, o desgaste nos expõe e nos confronta com realidades onde podemos exercitar a vontade e neste exercício, nos fechamos. Reafirmamos pequenos comportamentos, nos distanciamos, nos privamos, deixamos de ter prazer em pequenas coisas, na ilusão que temos controle, que somos adultos e que tudo está bem.
Mas estas incompatibilidades práticas, até são geríveis para todos e entre todos. Pior são aquelas em que nem saindo da sala ou evitando certas situações com as pessoas, podemos salvar o convívio. A incompatibilidade moral e ideológica é determinante na minha opinião.
Quando conhecemos alguém e percebemos, ou sentimos, que “não vai rolar”, não alimentamos a relação e nos afastamos desta pessoa. Mas as pessoas mudam, ou envelhecem, e aí já podem estar nas nossas vidas por um longo tempo.
É natural mudar. Mudamos de visão política, religiosa e emocional. Quer por amadurecimento, quer por pura reação empírica, positiva ou não, e estas são incompatibilidades que de fato, não podemos nos debater contra. Respeitamos e se não der para nos adaptarmos, que ao menos as memórias assinalem o que de bom já existiu. Portanto, não há muito o que ser dito.
Eu não sei o velho que eu quero ser, mas sei o velho que eu não quero ser! E ele já está mim, faz-se do meu agora, enquanto escrevo este texto.
Se não podemos eliminar fardos pesados, que possamos então nos deliciar e nos perder em pequenos prazeres, em boas escolhas. Que saibamos valorizar nossa juventude, que saibamos ser exemplo para os mais novos, que não alimentemos neuroses, manias e caprichos e que acima de tudo, não nos tornemos num velho ransinza.
Uma boa semana para todos.
Eduardo Divério.
A incompatibilidade, na minha opinião, não se discute, não se argumenta. Lamenta-se e seguimos com nossas vidas. Claro que isso é de uma forma geral, pois nas relações mais próximas, a tendência natural, e equilibrada, será a de tentar achar uma melhor forma de se conviver com ela.
Às vezes, por iniciativa alheia, ela até se dissolve, como se fato fosse um comportamento, uma característica adquirida que estava crescendo sem que se tivesse consciência. A pessoa sendo confrontada, alertada desta “nova situação” acaba por ter chance de expurgá-la.
É notável como pessoas que se conhecem a imenso tempo podem atravessar uma fase de tamanha incompatibilidade que apesar de todo o carinho, fundamentado em saudáveis memórias do passado, torna o convívio cansativo. O problema é saber se esta fase não passará a ser um “estilo de vida”.
Penso que vamos adquirindo comportamentos e manias, ou em outras palavras, vamos envelhecendo. Quando era criança, eu me perguntava por que meu avô era tão ransinza. Mais tarde, perguntava-me se ele sempre teria sido assim. Se não, quando aquilo teria começado?
Eu vivo num constante processo do exercício de desafirmação de alguns comportamentos que eu adquiri quando criança. Quero que sejam diferentes, então estou sempre atento e esforço-me para evitá-los ou controlá-los, de forma que eventualmente eu ganhe esta batalha. Então ocorreu-me que este é exatamente o processo em que vamos adquirindo incompatibilidades com o mundo, só que ao inverso.
Amigos, num passado nem tão distante, que varavam madrugadas a dentro com risadas, piadas e todos os ruídos provenientes de um encontro de final de semana, hoje, depois de serem pais, pedem-nos para falar baixo.
Outros, que se acabavam numa pista de dança no meio de toda aquela gente, hoje não suportam passar mais do que uma hora num bar movimentado. E assim vamos. Nosso sono parece ficar cada vez mais leve e qualquer coisa nos acorda. O rádio do vizinho está sempre num volume no limite do desrespeito e o cachorro ladrando na rua, deveria ser levado pela “carrocinha” e virar sabão!
Quando é que estas coisas começam a nos incomodar e sem que percebamos, passamos a postulá-las, hora após hora, até que nos transformamos naquele “velho da praça” de nossas infâncias?
O mundo globalizado esmagou o tempo em que testes vocacionais ajudavam-nos a escolher nossa profissão. Hoje, seguimos o mercado. Ajustamo-nos ao jogo na tentativa de se poder manter alguns de nossos sonhos e ideais de vida. Obviamente, o preço que se paga por isso é alto, contudo, idealismos à parte, não vejo que tenhamos tantas opções assim. (Considerando o que queremos manter. Opções sempre existem, seguidas de suas consequências, aí, talvez, incompatíveis com nossos sonhos e ideias).
Vamos cansando, vamos tendo que centrar nossas forças numa autêntica engenharia de sobrevivência e acabamos por nos sentir esgotados e sem paciência para lidarmos com coisas menores. Talvez, estas coisas sempre teriam incomodado. Contudo, como imunes, tínhamos um antídoto, algo que nos protegia, tornando-as imperceptíveis.
Aos poucos, o desgaste nos expõe e nos confronta com realidades onde podemos exercitar a vontade e neste exercício, nos fechamos. Reafirmamos pequenos comportamentos, nos distanciamos, nos privamos, deixamos de ter prazer em pequenas coisas, na ilusão que temos controle, que somos adultos e que tudo está bem.
Mas estas incompatibilidades práticas, até são geríveis para todos e entre todos. Pior são aquelas em que nem saindo da sala ou evitando certas situações com as pessoas, podemos salvar o convívio. A incompatibilidade moral e ideológica é determinante na minha opinião.
Quando conhecemos alguém e percebemos, ou sentimos, que “não vai rolar”, não alimentamos a relação e nos afastamos desta pessoa. Mas as pessoas mudam, ou envelhecem, e aí já podem estar nas nossas vidas por um longo tempo.
É natural mudar. Mudamos de visão política, religiosa e emocional. Quer por amadurecimento, quer por pura reação empírica, positiva ou não, e estas são incompatibilidades que de fato, não podemos nos debater contra. Respeitamos e se não der para nos adaptarmos, que ao menos as memórias assinalem o que de bom já existiu. Portanto, não há muito o que ser dito.
Eu não sei o velho que eu quero ser, mas sei o velho que eu não quero ser! E ele já está mim, faz-se do meu agora, enquanto escrevo este texto.
Se não podemos eliminar fardos pesados, que possamos então nos deliciar e nos perder em pequenos prazeres, em boas escolhas. Que saibamos valorizar nossa juventude, que saibamos ser exemplo para os mais novos, que não alimentemos neuroses, manias e caprichos e que acima de tudo, não nos tornemos num velho ransinza.
Uma boa semana para todos.
Eduardo Divério.