segunda-feira, outubro 16, 2006
Conversar
As conversas são inevitáveis, espontâneas, um recurso diário e obrigatório que exprime um ser pensante e o seu universo pessoal, e daí surgem alguns pequenos detalhes…
Conversar deve ser uma das mais inquietantes entre as capacidades humanas. Através dela revelam-se emoções, valores, qualidades, pensamentos, mas também, todo o lado obscuro, antagónico e estagnado existente em nós, pois, conversar, dá-nos para além do material falado, aquele que está nas entre-linhas.
Acredito que conversar seja sempre um acesso ao conhecimento. É, definitivamente, talvez pelo meu signo, umas das minhas mais evidentes características enquanto ser humano. Contudo, tenho me sentido estimulado pelo silêncio e sinto estar trocando a verbalização pela escrita. Não que seja mais fácil, mas tem sido menos desagradável, mais tranquilo e menos conflituoso.
Sou uma pessoa que converso apaixonadamente sobre o assunto em questão, com assertividade e convicção do que penso e na escolha das palavras que uso. No passado, deixei-me confundir e magoar por pessoas que se sentiam ameaçadas pela minha postura, que viam nesta convicção uma pressão, como se eu estivesse tentando me sobrepor a elas e então, desorientado e sentido, calava-me. Hoje, apenas me calo quando percebo que o assunto em questão não é o objeto da conversa e que esta, não tem como progredir a lado nenhum, presa na “egosfera” do indivíduo.
Eu não sei se alguma vez esta palavra fora usada, ou sequer se ela é uma palavra, mas “egosfera”, como me refiro, é o ambiente pessoal em que um indivíduo surta, ou vive em surto, numa crise de egodistonia em que tudo converge e diverge, de e para o “EU” desta pessoa. A conversa está morta.
A característica mais difícil para mim, talvez a que esteja realmente estimulando os meus silêncios, e minha descrença, é a tal da auto-afirmação. O objeto da conversa perde a relevância de discussão e de repente, está em causa, o quão esperta, inteligente e informada é a outra pessoa. Passa-se de um processo de apuração do objeto para uma breve e sutil disputa, onde está em jogo uma identidade, um cartaz talvez. Com a perda total do norte, somos envolvidos pela “egosfera” do outro.
Vê-se de tudo. Os que têm a tendência espontânea de não concordar e se não tiverem saída, então farão complementos adicionais de informação; aqueles que não sabem do que se está falando e então inventam, com a cara mais profissional do mundo; aqueles em que o assunto é apenas um murmúrio de fundo, estando a pessoa tomada por uma inveja ou admiração latente; aqueles que inesperadamente partem para um cruzada defensiva, como se qualquer argumento ouvido fosse automaticamente projectado em sua própria vida e ela já está em pânico; enfim, vê-se de tudo.
Por outro lado, depois de ter escrito isso, penso que a característica mais difícil para mim, afinal, é a permissividade. A forma como as pessoas se permitem viver em suas “egosferas”, despreocupadas ou desinteressadas, se existe algum ponto de intersecção com meio social ou não, com o espaço público.
Penso que conversar seja cada vez mais difícil e delicado porque as pessoas andam desesperadas, cansadas de seus papéis e frustradas com suas vidas. Desesperadas por amor, realização, sossego e assim, permitem-se ser…O que quer que sejam e tenham se transformado. Este “se permitir” constante, este exercício que fortifica as sólidas paredes da nossa “egosfera”, tem uma razão, uma origem. Ao meu ver, o adulto de hoje tem a tendência para não saber o que liberdade é, e a confunde com caprichos, com máscaras que “permitem” um assunto não resolvido permanecer assim, disfarçado de sepultado, porém, sempre latente.
Mas não é o conteúdo da conversa, é a interação, é como ela feita. Realmente estou convencido que os conteúdos das conversas nada têm a ver com as reações das pessoas. Bem, às vezes tem, é verdade, mas deixemos as conversas de relacionamentos mais estreitos para uma outra semana e nos foquemos nas sociais, naquelas com nossos amigos, colegas e conhecidos. Sinto as pessoas num constante estado inconsciente de alerta, de estratégico ataque como defesa. Realmente viver assim é muito desgastante, e por ser inconsciente, gera aquela insatisfação fantasma, aquela sensação de opressão.
Mas asseguro-vos que, “se permitir” viver numa “egosfera”, de leis próprias, de novo, é apenas uma confusão, uma ilusão de alívio e de exercício de liberdade, pois disso geram-se tantos atritos, tantas consequências desmesuráveis num total efeito bola de neve, que a sensação de solidão será inevitável. O tal desespero a que me refiro, postula-se, como consequência da própria “permissão” em não querer se tocar num assunto dito arrumado, com a desculpa de se ser dono de seu nariz e a mais ninguém ter que se submeter.
A infância acabou. Bem, ao menos não escrevo para crianças! Não tem mais pai ou mãe, irmão ou tio, babá ou professora que possam nos forçar a fazer algo ou mal orientar-nos por onde seguir. As rédeas estão nas nossas mãos e adivinhem só, os cavalos não são de madeira, presos a uma haste vertical, girando ao redor!
Falar com alguém hoje em dia é desencadear processos de inferioridade, superioridade, menosprezo, indelicadeza, defesa, radicalismo, reacionarismo, ataque e desprezo. Tudo muito humano, tudo fruto de uma psiquê, é verdade. Mas para todo veneno existe um antídoto e alcança-lo, depende de nós.
Não precisamos transformar nossas vidas num laboratório, numa constante ida semanal à terapia, mas podemos crer, verificar e apostar que tudo cresce com o hábito, que vamos nos comprometer em ouvir o assunto como tal, apenas um assunto e não nossa pessoa num banco para réus. Podemos permitir que a criança existente em nós largue as rédeas de nossa vida, permitir o adulto, que de certo tem o aparato necessário a seu favor, ajuizar e separar aquilo ouve, vê e diz.
Simpatizo com “a causa pelo respeito a egosfera”. Vejo a importância de se respeitar o timing dos outros, pois isso traduz-se em amor, suporte e respeito. Entretanto, só vejo real sentido neste apoio se, a pessoa sujeita a isso, tenha a noção do seu compromisso com a raça humana, do quanto suas individuais decisões atingem os restantes indivíduos a volta, aqueles que o amam, aqueles que lhes dão suporte e também, até, como sinal de respeito em retorno.
Uma boa semana a todos.
Eduardo Divério.
As conversas são inevitáveis, espontâneas, um recurso diário e obrigatório que exprime um ser pensante e o seu universo pessoal, e daí surgem alguns pequenos detalhes…
Conversar deve ser uma das mais inquietantes entre as capacidades humanas. Através dela revelam-se emoções, valores, qualidades, pensamentos, mas também, todo o lado obscuro, antagónico e estagnado existente em nós, pois, conversar, dá-nos para além do material falado, aquele que está nas entre-linhas.
Acredito que conversar seja sempre um acesso ao conhecimento. É, definitivamente, talvez pelo meu signo, umas das minhas mais evidentes características enquanto ser humano. Contudo, tenho me sentido estimulado pelo silêncio e sinto estar trocando a verbalização pela escrita. Não que seja mais fácil, mas tem sido menos desagradável, mais tranquilo e menos conflituoso.
Sou uma pessoa que converso apaixonadamente sobre o assunto em questão, com assertividade e convicção do que penso e na escolha das palavras que uso. No passado, deixei-me confundir e magoar por pessoas que se sentiam ameaçadas pela minha postura, que viam nesta convicção uma pressão, como se eu estivesse tentando me sobrepor a elas e então, desorientado e sentido, calava-me. Hoje, apenas me calo quando percebo que o assunto em questão não é o objeto da conversa e que esta, não tem como progredir a lado nenhum, presa na “egosfera” do indivíduo.
Eu não sei se alguma vez esta palavra fora usada, ou sequer se ela é uma palavra, mas “egosfera”, como me refiro, é o ambiente pessoal em que um indivíduo surta, ou vive em surto, numa crise de egodistonia em que tudo converge e diverge, de e para o “EU” desta pessoa. A conversa está morta.
A característica mais difícil para mim, talvez a que esteja realmente estimulando os meus silêncios, e minha descrença, é a tal da auto-afirmação. O objeto da conversa perde a relevância de discussão e de repente, está em causa, o quão esperta, inteligente e informada é a outra pessoa. Passa-se de um processo de apuração do objeto para uma breve e sutil disputa, onde está em jogo uma identidade, um cartaz talvez. Com a perda total do norte, somos envolvidos pela “egosfera” do outro.
Vê-se de tudo. Os que têm a tendência espontânea de não concordar e se não tiverem saída, então farão complementos adicionais de informação; aqueles que não sabem do que se está falando e então inventam, com a cara mais profissional do mundo; aqueles em que o assunto é apenas um murmúrio de fundo, estando a pessoa tomada por uma inveja ou admiração latente; aqueles que inesperadamente partem para um cruzada defensiva, como se qualquer argumento ouvido fosse automaticamente projectado em sua própria vida e ela já está em pânico; enfim, vê-se de tudo.
Por outro lado, depois de ter escrito isso, penso que a característica mais difícil para mim, afinal, é a permissividade. A forma como as pessoas se permitem viver em suas “egosferas”, despreocupadas ou desinteressadas, se existe algum ponto de intersecção com meio social ou não, com o espaço público.
Penso que conversar seja cada vez mais difícil e delicado porque as pessoas andam desesperadas, cansadas de seus papéis e frustradas com suas vidas. Desesperadas por amor, realização, sossego e assim, permitem-se ser…O que quer que sejam e tenham se transformado. Este “se permitir” constante, este exercício que fortifica as sólidas paredes da nossa “egosfera”, tem uma razão, uma origem. Ao meu ver, o adulto de hoje tem a tendência para não saber o que liberdade é, e a confunde com caprichos, com máscaras que “permitem” um assunto não resolvido permanecer assim, disfarçado de sepultado, porém, sempre latente.
Mas não é o conteúdo da conversa, é a interação, é como ela feita. Realmente estou convencido que os conteúdos das conversas nada têm a ver com as reações das pessoas. Bem, às vezes tem, é verdade, mas deixemos as conversas de relacionamentos mais estreitos para uma outra semana e nos foquemos nas sociais, naquelas com nossos amigos, colegas e conhecidos. Sinto as pessoas num constante estado inconsciente de alerta, de estratégico ataque como defesa. Realmente viver assim é muito desgastante, e por ser inconsciente, gera aquela insatisfação fantasma, aquela sensação de opressão.
Mas asseguro-vos que, “se permitir” viver numa “egosfera”, de leis próprias, de novo, é apenas uma confusão, uma ilusão de alívio e de exercício de liberdade, pois disso geram-se tantos atritos, tantas consequências desmesuráveis num total efeito bola de neve, que a sensação de solidão será inevitável. O tal desespero a que me refiro, postula-se, como consequência da própria “permissão” em não querer se tocar num assunto dito arrumado, com a desculpa de se ser dono de seu nariz e a mais ninguém ter que se submeter.
A infância acabou. Bem, ao menos não escrevo para crianças! Não tem mais pai ou mãe, irmão ou tio, babá ou professora que possam nos forçar a fazer algo ou mal orientar-nos por onde seguir. As rédeas estão nas nossas mãos e adivinhem só, os cavalos não são de madeira, presos a uma haste vertical, girando ao redor!
Falar com alguém hoje em dia é desencadear processos de inferioridade, superioridade, menosprezo, indelicadeza, defesa, radicalismo, reacionarismo, ataque e desprezo. Tudo muito humano, tudo fruto de uma psiquê, é verdade. Mas para todo veneno existe um antídoto e alcança-lo, depende de nós.
Não precisamos transformar nossas vidas num laboratório, numa constante ida semanal à terapia, mas podemos crer, verificar e apostar que tudo cresce com o hábito, que vamos nos comprometer em ouvir o assunto como tal, apenas um assunto e não nossa pessoa num banco para réus. Podemos permitir que a criança existente em nós largue as rédeas de nossa vida, permitir o adulto, que de certo tem o aparato necessário a seu favor, ajuizar e separar aquilo ouve, vê e diz.
Simpatizo com “a causa pelo respeito a egosfera”. Vejo a importância de se respeitar o timing dos outros, pois isso traduz-se em amor, suporte e respeito. Entretanto, só vejo real sentido neste apoio se, a pessoa sujeita a isso, tenha a noção do seu compromisso com a raça humana, do quanto suas individuais decisões atingem os restantes indivíduos a volta, aqueles que o amam, aqueles que lhes dão suporte e também, até, como sinal de respeito em retorno.
Uma boa semana a todos.
Eduardo Divério.