quinta-feira, outubro 11, 2007

 
Sociedade Imperialista

É sempre muito delicado tentar abordar um assunto de forma séria quando não nascemos no local do qual estamos a falar, mesmo quando somos naturalizados. Para mais quando, ao menos por nacionalidade, pertencemos à uma comunidade de rótulos postulados.

Mas existem aqueles que venceram o tempo e provaram ter o direito a ingressarem nesta sociedade, onde vivem como cidadãos legítimos, onde votam e pagam impostos e onde também são responsáveis pela imagem pública do país e pelo crescimento do mesmo.

E talvez seja exactamente por este envolvimento que surja uma mágoa, como um filho que tenta de todas as formas agradar ao seu pai, que nunca lhe tem tempo, que nunca o reconhece, que nunca lhe dá atenção e o devido amor.

Eu estava a ler o ‘Meia Hora’, um dos periódicos gratuitos distribuídos aqui em Lisboa, quando encontrei uma nota de uma ‘investidora emérita’ de uma universidade, onde ela comenta que as famílias ricas portuguesas na verdade são pobres.

Chamou-me atenção então, o facto das repetidas vezes em que este assunto tem sido abordado, sobre o quanto as famílias portuguesas têm vivido mergulhadas em dívidas, a consumir muito mais do aquilo que aufere.

Assustadores sinais têm surgido ao redor. Sinais apenas perceptíveis, talvez, por quem já tenha passado por isso numa outra realidade económica-cultural, num outro hemisfério… Na televisão, são algumas as empresas que tentam ‘vender’ crédito fácil; ao caminharmos pelas ruas, vemos cartazes nas montras de lojas que dizem ‘Crédito rápido’ e nos espaços reservados ao café, no local onde trabalhamos, presos ao mural, surgem anúncios de pessoas a vender coisas, a prestar serviços, enfim, a tratar de um rendimento extra.

Já faz alguns anos que se sabe que o português tem um padrão de ostentação alto e isso é de conhecimento comum, herdado, estou certo, da própria história real do país. Carlota Joaquina já era conhecida por se servir de um ‘fiadinho’ e seu marido D. João VI , não era muito preocupado em pagar suas contas, ou melhor, em fazê-las.

Penso que esta fase imperialista da história, nem tão longe de nós assim, marcou demais as sociedades envolvidas, gerando uma estrutura de valores tão forte que ainda reside no nosso ‘DNA, ou ADN, social’.

Quanto mais próximo da corte, ou de alguém de lá, com mais ‘nobreza’ a pessoa sentia viver, como que diferenciada, em especial àquele ‘comum’ que poderia ser um vizinho seu. Ainda que este ‘comum’ fosse dono de uma mercearia e fizesse muito mais dinheiro do que aquele que apenas se dava com o outro de ‘patente’ superior.

Este sentimento, típico em algumas cortes europeias daquele período, parece ter sobrevivido. Passou por uma ligeira mutação, mas continua aqui, entre nós. As pessoas não falam, não comentam em voz alta, mas julgam, sentem-no. Ao nosso redor, continua-se a valorizar os sobrenomes, as zonas onde se vive e os carros que se conduz. Percebemos isso na expressão de seus rostos pelos espaços públicos, quando esbarramos contra alguém, ou no trânsito, quando queremos manobrar e precisamos de espaço. Como se tivéssemos ousado ter entrado em ‘rota de colisão’.

Torce-se o nariz à quem viva na margem sul, na alta de Lisboa ou Benfica; à quem seja ‘brasuca’, ‘munhé’ ou ‘do leste’ e mesmo ao português comum que serve mesas; àquele que se transporta de autocarro ou de barco, que conduz um carro com mais de quatro anos, que não tem um apelido brasonado ou que não tenha uma formação académica, que não fale francês com um bom sotaque e muito mais.

O cidadão português tem carregado em si o ‘poder’ de se sentir mais ‘caro’ do que aquele que está ao seu lado. Das pequenas às grandes coisas. Uma pressão inerente em ser mais ou ter mais.

Este sentimento isola-nos, dá-nos a falsa sensação de sermos melhores e torna-nos em ‘ilhas’, em ‘ego-mutantes’ alienados do melhor que o ser humano por ser, reflectindo-se em tudo:

Há vinte anos, Portugal e Irlanda receberam a mesma quantia da Comunidade Europeia para ingressarem numa nova era económica; o que houve de errado connosco? Mas alguém questiona isso? Será tudo tão tristemente simples quanto achar que poupar, adoptar medidas e estratégias económicas seria dar parte fraca e ficar mal visto ‘na corte’?

Pior ainda: Se os filhos da Revolução dos Cravos parecem viver numa realidade paralela, quase virtual, onde não existe uma união social ou um próprio reconhecimento da identidade maioritária do país, de que este é mais do que Lisboa e que nem todos vivem na Quinta da Marinha, para onde caminham os netos deste confronto?

Eu digo que não é um governo que faz um país e sim o seu povo. Temos que eliminar este traço infantil de que as coisas devem ser como nos favorecem melhor! É óbvio que as pessoas querem ser felizes e ter bem-estar. Mas se esta filosofia não for comedida, honesta em relação a um grupo, desperta no ser humano o seu lado mais vil e, ironicamente, o mais pobre.

Pense lá, você, esmagado em alguma camada da ‘tal’ pirâmide, que a saúde de sua mãe, de seu filho, está nas mãos de um médico que pode estar mais preocupado com o seu veleiro na marina do que com a real causa do problema.

Pense num processo judicial, contra alguma empresa que cobrou indevidamente seu cliente, mas que está numa sala, entre pilhas de outras pastas, e que os magistrados, juízes e funcionários públicos preocupam-se mais com as regalias ganhas do sistema do que com a justiça a ser feita.

Pense lá em qualquer profissional que viva apenas para se dar bem; no seu nível de profissionalismo e tudo de mau, progressivamente reflectido que pode afectar a sociedade a partir deste elemento. Agora pense que este profissional pode ser você ou que poderá ser um filho seu amanhã.

É preciso olhar para identidade nacional! É preciso reconhecer a quantidade de pessoas que vivem na miséria durante suas velhices, que já no terceiro milénio ainda não têm água encanada em suas casa ou electricidade, no número de pessoas semianalfabetas, no número gigantesco de portugueses que vivem no estrangeiro e que servem mesas ou limpam casas de banho e engolir este infundamentado orgulho, este falso poder soberano de olhar à volta, para os seus e o outros, como se não tivessem nada a ver com isso, ignorando a realidade do país.

Nada, nunca apagará os gloriosos feitos da história. Nada, nunca poderá tirar desta terra o orgulho, a nobreza, de tudo aquilo de lhe confere sua identidade. Mas a humildade é, e sempre será, uma característica que apenas um verdadeiro nobre sabe como aplicar.

Uma boa semana a todos.

Eduardo Divério.

Comments:
Garoto, concordo em gênero, número e grau!
Vc tá escrevendo cada vez melhor!
E sabe que mais? No final do seu texto, me senti tão nobre...
Beijo
 
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