terça-feira, dezembro 04, 2007

 
Pampas de Cinismo.

Sou um gaúcho nascido no Passo d’Areia, um bairro antigo de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Sou daqueles que quando fala da terra natal, chega mesmo a sentir os odores de lá e por vezes, até lágrimas vêm-me aos olhos.

Quando eu cheguei em Portugal, há coisa de uns 16 anos, comecei a adquirir a consciência de que existia uma certa visão antipática em relação a nós, gaúchos, pelo resto das regiões brasileiras. Lembro-me de uma vez um colega dizer o seguinte: ‘Lá no casarão nós somos cinco brasileiros e um gaúcho’.

Primeiro eu achava que era um pouco de despeito, por sermos uma região geograficamente diferente, com quatro estações bem definidas e com direito a neve ou, por ter um grande número de pessoas com ascendência européia e os biotipos envolvidos nisso, enfim. Mais tarde, com o convívio entre pessoas de outras regiões do Brasil, era-me difícil não notar também no conteúdo e na densidade das conversas, o quão… Diferente eram.

Mas o tempo foi passando.

É sabido que em Portugal existem, pelo menos, dois grandes grupos de brasileiros bem sucedidos: Os dentistas e os informáticos mainframe. Este último com uma grande representação gaúcha. Passado o tempo e exercido o convívio, receio que tenha baseado minhas primeiras impressões em como eu me sentia sendo um gaúcho em relação ao resto dos brasileiros, o que não quer necessariamente corresponder ao que o senso comum determina como tal.

São muitas as pessoas que conheço com informação das/nas mais diversas áreas, da ciência à política. Viajadas e com recurso para terem boas acomodações e acesso ao que o turismo tem de melhor. Contudo, presencio um humor cáustico, cínico. Existe um padrão de sarcasmo, de comentários lacunosos que usam e abusam de informações, pessoais ou não, com uma latente malícia e com um ‘Q’ subversivo, disfarçado, na verdade, em constrangimento e preocupação. Um esbanjar requintado de piadas apuradas, inteligentes em sua ‘confecção’, mas quase sempre depreciativas. Uma constante disputa tácita sobre quem tem mais informação, mais lógica, mais QI, mais cartões na carteira, mais, mais, mais…

É também nesta comunidade onde noto o maior número de situações de ex-amigos. Sim, pessoas que foram amicíssimas, trocaram confidências e hoje quando se encontram, agem como se não se conhecessem. Estarão sempre associadas às memórias de ocasiões importantes, mas já não servem para se relacionarem. Este crivo, não me parece ser o resultado de uma seleção, a consequência de uma peneira de consciência e equilíbrio psicológico. Aliás, este comportamento parece-me mesmo o total descontrole e descaso com conceitos maiores de relacionamento.

É-nos inerente, como povo, como cultura, ‘pelear’ pelo correcto, pelo justo, pelo que quer que queiramos. Somos um povo que traz na ponta de sua língua, e de sua caneta, a expressão determinada e convicta resultante da avaliação de uma situação. Orgulho-me desta flâmula, mas envergonham-me os que dela usam para diminuir os outros, sobre exaltarem-se como modelos de ego.

Será este grupo de pessoas que anda por aí a suscitar nos outros a antipatia que afama nossas relações extra regionais? Estarão eles representando a nossa identidade, porém maquiados de tal forma que se sentem melhores do que os outros, naturais da mesma terra?

Eu associo esta falha da nossa cultura, ou talvez, esta característica, à constante pressão, a rigidez de nossa sociedade. Eu diria ser quase um arquétipo, este de se ser forte, causando nos inseguros ou mais sensíveis, este comportamento vil de simular uma supremacia virtual, na tentativa de não sucumbir no desinteresse do seu próprio universo, como um cão que late para afastar quem o ameaça, mas que nunca morde.

Ainda sim, a maioria das pessoas que mais amo neste planeta são gaúchas – em várias partes do globo – e são ela que me fazem companhia quando preciso estar perto das minhas raízes e são elas que também ajudam-me a amenizar esta figura triste que se forma em minha mente, de vez em quando, mas quase todos os dias.

Uma boa semana para todos com gosto de chimarrão.

Eduardo Divério.

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