quinta-feira, janeiro 17, 2008

 
Ensaios Capitais – A Gula

Gula - do Lat. gula, garganta s. f., glutonaria; excesso na comida e bebida; avidez, gulodice; moldura em forma de S, na cimalha ou cornija; espécie de plaina; ant., goela, garganta.
A Gula parece dividir a atenção com a Ira, pois o demônio de plantão também é Satanás, apesar de neste caso ele ser mais referido como Diabo, nome este atribuído com mais frequência pela tradição judaico-cristã, sem que necessariamente lhe atribuam uma forma específica. Contudo, surge muitas vezes representado em cor vermelha, com feição humana, mas com chifres, rabo pontiagudo e um tridente na mão, remetendo a um cetro. Lembrou-me uma apropriada lagosta gigante! Eheheheh.

A gula hoje em dia, como eu vejo, tem menos peso ainda do que a preguiça, quase ninguém fala dela. Depois, com o advento do ‘politicamente correto’, fica feio comentarmos ou chamarmos a atenção de pessoas que comem como se não houvesse um amanhã.

A mim, o que mais salta a percepção, são os seus dispositivos; dois em especial. Um, mais disfarçado pela carência de colágeno, é aquele onde as pessoas têm uma gula do tipo infantil, quero dizer, como se a infância nunca tivesse acabado, como se comer fosse uma festa, um evento que requer toda a atenção do indivíduo.

É fato que durante os primeiros anos de vida, as sensações básicas de alívio, conforto e prazer são aquelas que mais se notam ao recém-nascido e talvez por isso, quando vejo alguém a comer com tanta delícia, chego mesmo a enxergar laços e fitas no cabelo da pessoa. Tirando o impacto que pode causar em alguns indivíduos mais observadores, não tem um lado assim, pejorativo – ignorando, claro, que um adulto já deveria ter um outro tipo de relação com o alimentar-se.

O segundo dispositivo, o mais comum como vejo, é quando as pessoas em pura crise de ansiedade, comem as suas carências, quero dizer, sublimam uma necessidade, a falta de algo, e literalmente introjetam em seus corpos, pela boca, comendo-os; amor, atenção, carinho…

Dizem que ‘Chiquinho’ - o de Assis – temperava sua comida com cinzas para afastar o sabor dos alimentos e não sucumbir àqueles prazeres.

Disfunções químicas à parte, comer ou não comer é sempre uma questão! Mas se somos o que comemos, estamos dando a real e necessária atenção àquilo que colocamos na boca? O comer, claro, não é apenas alimentar-se, não é tão somente fazer uma lista de nutrientes através dos alimentos a se ingerir. Reunimos amigos e celebramos ocasiões especiais com o prazer do paladar, comida e bebida, dos temperos, do festival dos gostos e talvez por isso a gula possa ser algo a se temer, a se ter que trabalhar, pois quando, o prazer de comer passa a ser uma via de realização, visto num organograma de fundo, em nada se difere da pornografia, por exemplo, quanto ao vício, a falsa sensação de satisfação e prazer imediato, enfim, o mesmo banho químico de boas sensações.

Mas o terceiro milênio anda com as atenções mais voltadas para a anorexia e bulimia. Não que nestes casos não exista gula, mas é que a relação com a comida é que é outra e cria a diferença… Dado ao estado em que as pessoas que sofrem estas ocorrências ficam, a gula chega até ser incentivada. Verdade também seja dita que com muito mais facilidade encontramos uma gordinha feliz e simpática do que um magro alegre.

De qualquer forma, não saber quando parar, denota uma legítima desatenção com as funcionalidades do próprio corpo, uma indisciplina em relação a desejos e consciência. Mais, eu ainda ousaria em apontar também, uma grande repressão – ou anulação - sexual, pois que, pecado por pecado, sexo acaba por aliviar as tensões, faz bem para o humor, para a pele, é aeróbico e ainda por cima consome calorias. Já a Gula…

Uma boa semana para todos, cheia de bons sabores.

Eduardo Divério.

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