quarta-feira, fevereiro 27, 2008

 
Sorte, Revés e ‘Ismo’

Por estes dias, eu estava assistindo um programa onde o Brasil surgia com um número elevadíssimo de acidentes causados por atropelamentos, com direito a imagens capturadas por câmeras de vigilância ou mesmo amadoras. Então, vi este frentista de uma bomba de gasolina, sob a cobertura do posto, ao lado da bomba, que enchia o tanque de um carro, ser surpreendido pelas costas por um carro desgovernado que embateu contra ele, projetando-lhe para frente, contra o outro carro, e de seguida, sendo atropelado pelo mesmo contraventor, na tentativa de fugir do local.

Em estado de choque, foi impossível não pensar no azar daquela pessoa. Ele estava ali, descontraidamente executando seu trabalho e sem aviso, sua vida mudou num instante. Então indaguei-me se ele seria um homem religioso, se teria fé ou algum tipo de filosofia de vida. Inconformado com o revés daquele sujeito, questionava-me se ele manteria pensamentos positivos ou se apenas consumia oxigénio à volta. Poderia ter sido seu negativismo que vibrou de tal forma que atraiu aquela situação para sua vida e consequentemente o desespero para a vida de todos que o amam?

Mas como funciona isso, afinal? Tão logo eu ter começado a questionar-me o tipo de homem que ele poderia ser, fiquei confuso se faria diferença, pois logo ocorreram-me todas as pessoas que ou morreram ou perderam tudo, por exemplo, no último Tsunami na Ásia, nas grandes guerras, no grande terremoto de Lisboa, no grande fogo de Londres, no naufrágio do Titanic, na bomba de Hiroshima… Uhhhh!!! No Holocausto!! Impossível que a prática religiosa, mística, holística desta gente tenha tido algo a ver com estas tragédias…Ou não?

Mas em seguida lembrei-me da narrativa feita na primeira pessoa, durante um workshop sobre Documentary Film Maker que eu tive a oportunidade de fazer em Londres, com um cenegrafista que passou um mês a viver numa comunidade etíope, comendo o que eles comiam, ocupando-se do que eles se ocupavam. A narrativa comentava as imagens do vídeo que víamos do próprio documentário. Lá pelo décimo terceiro dia, quando o cenegrafista já passava mal, de fraqueza e enjoo, devido aos chás de ervas daninhas que faziam para enganar a fome, chamou-me a atenção ver galinhas e ovelhas livremente circulando no fundo da cena. Tive que perguntar: Mas com tanta fome, por que não comiam o raio as galinhas e das ovelhas? Por que não plantavam uma alfaces, umas couves? Então revelou-se a derradeira verdade: Porque eles não sabiam plantar; não sabiam o que fazer com aqueles animais. Aquela tribo acreditava que seu Deus proveria o sustento e que se este não brotava em suas terras, se a comida não lhes vinha, era porque não era da vontade de Deus.

Assim, eu tive o exemplo de um tribo inteira passando fome sem que eu pudesse imputar as causas na má sorte. Tenho certeza que eles rezam e pedem por comida, mas também é-me fácil entender porque ela nunca chega…

Depois lembrei-me que no dia do Tsunami, estávamos aflitos, no local onde trabalha na altura, pois uma colega nossa estava de férias pelo oriente. Quando conseguimos localizá-la, ela contou-nos que as aulas de mergulho que ela tinha para aquele dia haviam sido canceladas, pois o professor havia adoecido, e assim, ela antecipou-se a caminho de Sidney, escapando três horas antes da onda gigante lavar o território onde ela estava. A isso eu chamo de sorte!

Quantos são os casos que conhecemos, de pessoas que escaparam ou se livraram de acidentes ou da morte? Alguns. Mas o que tem esta minoria a favor deles que o resto não tem? Ao pensar nisso, lembrei-me de uma célebre frase: ‘A democracia é a ditadura da maioria’.

É um fato que as massas são o que há de comum. São o comum. O comum é tomar as coisas por prontas, por corretas, já ajuizadas. Qualquer pessoa que se dedique a fazer uma análise de sua sociedade, detectará que vários problemas são originados exatamente pelo exercício de normas ou comportamentos postulados como corretos por esta própria entidade. Pessoas que nascem, vivem e morrem mergulhadas em crenças, misticismos e preconceitos e que não acrescem uma vírgula na história da humanidade.

Mas qual a diferença entre o frentista do posto de gasolina que teve sua face esfacelada, de forma inesperada, sem que tivesse sido imprudente, vitimado por um imbecil que conduzia enquanto cheirava lança-perfume com a minha colega, que graças a doença do seu professor de mergulho, no último dia que passaria naquela ilha, pode se ir embora antes que a tragédia lhe arrastasse junto?

‘Há mais coisas entre o céu e a terra que suspeita a vã filosofia’. Esta pérola escrita há mais de quinhentos anos para a peça Hamlet, é do meu querido e imortal Shakespear. É claro que ela nasceu da alusão aos efeitos causados pela presença do espírito do pai de Hamlet em sua vida. Contudo, virou uma máxima, um símbolo que mesmo com a maior parte das pessoas a desconhecerem sua origem, associou-se a definição desta sensação inata ao homem, esta nossa eterna e incógnita dúvida em relação a nossa origem e tudo de incompreensível que transita entre nós.

A minha vã filosofia suspeita que o homem moderno, ou melhor, que o homem contemporâneo, devido o caminho que seguiu a evolução da humanidade, está cegamente encarcerado numa realidade que postula lógicos comportamentos de forma a não sucumbir à mesma, ou seja, criar formas de adaptar a natureza humana ao meio de hoje. O que como é óbvio, endossa a realidade como tal, gerando um ciclo.

Se pensarmos em termos de evidências ancestrais, percebemos que a raça humana levou imenso tempo a verticalizar sua espinha dorsal e até sabemos que entre a descoberta do fogo e o surgimento da escrita, homo sapiens e neandertais chegaram mesmo a coexistir. Mas estou certo que nenhuma dessas espécies poderia supor que um dia a caça estaria embalada em prateleiras de supermercados de grande superfícies, que água poderia nos chegar em casa por via de dutos e que fogo pudesse vir dentro de pequeninas caixas que cabem nos bolsos.

A inteligência humana foi se apercebendo da necessidade de organização, de invenção e o resto… O resto é história.

Taoísmo a parte, acho que evoluímos muito mal. É maravilhoso que a Cassini tenha viajado durante sete anos pelo espaço em direção a Saturno, tenha atravessado com sucesso o seu campo de asteróides e que hoje nos mande fotos de Titã. Contudo, e em contra partida, o estudo do comportamento humano continua sendo para loucos, as pessoas vão da fase latente à adulta em total negação de seus reais desejos e o planeta está doente.

Imagino e desejo que no futuro, assim como sabemos da importância do Iluminismo, nossos descendentes tenham tido um outro ‘ismo’ qualquer que tenha guiado o ser humano para mais perto de sua natureza, de sua essência.
Nos desligamos da água, mesmo sendo ela 70% da composição da nossa matéria; do fogo, mesmo sendo o sol o porquê não viramos um outro Marte; dos arquétipos que ‘jazem’ em nossa ‘alma’, em nossos sonhos. Somos pura energia, corrente elétrica das unhas dos pés aos fios do cabelo, mas falar sobre isso dá-nos um ar de místicos, de alguém que vive ‘fora da razão’, o que quer que isso signifique hoje em dia.

Os reinos animal e vegetal orientam-se pelas estações do ano, por correntes marinhas, quentes e frias e só o homem insiste em negar que estas fases afetam a sua existência de forma emocional, psicológica. Como um urso que hiberna ou uma cerejeira que se desfolha.

Nós rompemos este contacto, este fluxo de energia que corre pelo planeta e passa através de nós sem que nos permitamos senti-lo, percebe-lo e assim, ficamos sozinhos, parte de uma aborrecida, ‘aconsciente’, massa comum. Entregues a uma escusa sorte, cegos e surdos, presos aos nossos processos de culpa que vêm da infância, mas que sequer sabemos existir, receando passar por loucos, bloqueando-nos de fazer parte de um circuito maior.

Penso que existam pessoas com maior grau de conectividade com a natureza do que outras, boas condutoras de ondas elétricas e magnéticas, que trocam fragmentos de informação umas com as outras, como se fossem impulsos televisivos. Parece-me óbvio que esta energia, de cada um, circule, seja transferida, conduzida pelo e por entre o meio e as pessoas.

Mas ainda, se o cóccix é a cicatriz de nossa cauda e o dente siso cada vez nasce em menos pessoas, terá a nossa evolução atrofiado nossas ‘terminações nervosas’ para conscientizar o trânsito de energia do meio? De qualquer forma, apesar de parecer-me natural, simples não é de certeza e talvez tenhamos mesmo que exercitar, desenvolver novas estruturas, abrir canais de forma que a nossa sorte possa ser mais positiva e mantermo-nos mais integrados com o que circula a nossa volta, responsabilizando-nos pelo o quê circula a nossa volta.

Palpita-me que assim, sentir-se-íamos menos sozinhos, com menos dúvidas sobre origem ou o destino de nossa existência, talvez até houvessem menos deuses, menos mitos e ritos que acabam por cegar as pessoas e condená-las a uma vida medíocre. Não sei.


Desejos a todos uma excelente semana, com um alto fluxo de energia positiva.

Eduardo Divério.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

 
Ensaios Capitais – A Avareza.

Avareza - do Lat. Avaritia - s. f., apego excessivo ao dinheiro; mesquinhez; sovinice.

Este pecado está sob a administração de mais um dos filhos do demônio, Mammon; um ídolo pagão que surge descrito no Novo Testamento.

A Avareza é o último pecado da lista e para mim, também, pertence ao grupo daqueles que se diluíram em significado nos dias atuais. Noutros tempos, ela caracterizava pessoas que idolatravam os seus bens materiais, o dinheiro, mais do que seu próprio Deus, desprezando emoções e valores que não pudessem ser contabilizados numa moeda forte.

Mas a Avareza não é um adjetivo que se empregue apenas a quem tenha algum dinheiro. Na verdade, o avarento pode até ser uma pessoa pobre, pois o que lhe atribui este predicado é um comportamento, uma atitude e refiro-me àquelas pessoas que deixam de participar de eventos que fortaleceriam sua vida social ou cultural apenas para poupar tostões, ou não, gerando um acumulo de dinheiro mal empregue.

É facto que nos dias de hoje é necessário algum plano back up, ter alguma segurança, pois as pessoas perdem seus empregos da noite para o dia e a escassez de trabalho parece aumentar na mesma escala em que cresce a população. No entanto, assim como a Gula ou a Luxúria, a avareza pode nos aprisionar.

O aprisionamento está mesmo em pequenos gestos, em atitudes que nos privam de gozar um momento em sua plenitude, que nos afastam de uma evolução, de um crescimento como pessoas, como parte integrante do universo.

Dinheiro é sempre um assunto complicado. Por causa dele amizades se rompem, casamentos se desfazem e pessoas morrem. Mas também sonhos se realizam, amigos são ajudados, pessoas são salvas e um monte de outras coisas positivas tornam-se possíveis. Não é uma questão que possamos tratar com leviandade, ignorando o quão isso está inserido em nossa cultura, nas sociedades.

Mas não ser avarento é algo que podemos por sob policiamento, é mais um dos comportamento que devemos submeter aos julgamentos de equilíbrio, de forma a garantirmos que não teremos entraves no nosso crescimento e não só, mesmo que crescer ou evoluir não seja uma meta, mas garantir então qualidade de vida durante cada minuto que se vive. Mesmo porque, não se levam bens para além do caixão…

Uma boa semana sem poupar na vontade de vê-los realizados.

Eduardo Divério.

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