segunda-feira, julho 07, 2008
A Vida dos Outros
O universo da língua inglesa tem uma expressão que é ‘in her/his shoes’ que basicamente significa nos colocarmos na posição da outra pessoa e tentar entender uma situação sob o prisma dela.
Quantas vezes ouvimos os relatos de pessoas, sobre o quão difícil é suportar uma situação, ou conviver num local ou com um grupo, quando a impressão que temos é extatamente oposta a esta?
A maioria dos brasileiros que conheço em Inglaterra têm uma visão bem adversa a minha em relação aquela cultura, aquele povo. Então pus-me a pensar porque faria eu parte de uma minoria em que, estando fora de casa, sinto-me tão a vontade, em viver num lugar onde pessoas provenientes do mesmo país que eu não o sentem assim.
Então observei que via de regra, as pessoas que não se adaptaram à cultura inglesa constituíam dois grupos: As que tinham migrado direto do Brasil para lá e ou aqueles que aguerridamente vivem em guetos, como se nunca tivessem migrado para lá.
Depois, conjecturei que eu já estava vivendo na Europa por mais de doze anos quando me mudei para lá. E mudei-me para lá atraído pelas possibilidades de mudar alguns cenários em minha vida, o que consegui com sucesso. Mas ‘colocando-me nos sapatos dos outros’ admito que seja um brutal choque de culturas, de ritmos, enfim, de formação. Um contraste muito grande para se suportar assim, de uma semana para outra. Contudo, quando escuto queixas e comentários aos quais não concordo, sequer consigo me por em defesa de minha visão, pois vejo, enxergo nos olhos da pessoa o peso real da dor narrada.
Momentaneamente em Lisboa, eu é que me sinto ‘fora dos meus sapatos’ e um contínuo e diário trabalho emocional é levado a cabo por mim de forma a não sucumbir numa longa depressão. Mas o trabalho ainda se torna mais difícil quando nos sentimos sozinhos a fazê-lo.
É claro que as pessoas que por aqui vivem, lá tem seus esquemas e estruturas de ‘sobrevivência’ e entendo que o que elas menos precisam, seja de alguém a lhes fazer saltar à vista defeitos ou dificuldades que possam comprometer a paz desta estrutura. Ninguém gosta que se fale mal da sua nacionalidade, na sua cidade natal, da escola por onde se andou por mais de dez anos.
Depois também é um fato assimilado por mim que o meio, como o sinto, apenas existe em minha mente. Que por mais preciso, coerente ou realista que seja a observação de um comportamento, de como ele me afeta, só a mim o faz, e também a pessoas que tenham uma estrutura emocional parecida com a minha.
Por isso o que me cansa um bocado é extamente esta falta de noção nos outros, esta falta de simpatia das pessoas em perceber que um ponto de vista é, como o próprio nome indica, uma perspectiva, a angulatura de um assunto e não a sua definição de forma absoluta.
As pessoas reagem de imediato, como que num instinto maternal, para proteger sua cria, quando sentem-se diferidas nas palavras de outro. Se digo que em Lisboa não acho um lugar onde eu sinta-me bem atendido, automaticamente acabei de desvalidar o juízo de alguém que não se importa, ou não é afetado, pelo mal trato do comércio português.
Se digo que não gosto de música ‘axé’ e estranho, achando de mal gosto, que um grupo musical possa se chamar ‘calcinha preta’, estou de novo, automaticamente, desmerecendo o gosto de alguém e sendo ‘snobe’. Mesmo com a pessoa sabendo que vivo fora do Brasil por mais de 16 anos e estas referências não têm o menor registro na minha vida.
Mas dá licença?
Primeiro: As pessoas deveriam ser mais seguras e avisadas de suas decisões, escolhas e gostos e assumirem-se em relação a eles, sem se sentirem diminuídas por quem não compartilha a mesma opinião.
Segundo: As pessoas poderiam se aperceber mais das diversidades de pessoas sem privilégios que coexistem em nossas sociedades e que pagam impostos na mesma!
Como se espera, por exemplo, que um casal heterossexual e um homossexual sintam o meio da mesma forma, quando um tem todos os direitos e o outro vive na total irregularidade, legal e moral?
Como se espera que uma pessoa que vive presa num corpo com um sexo diferente aquele ao qual ela sente ser, possa se sentir à vontade, sequer para discutir esta situação?
Como se espera que alguém que precise de um aborto, que um soro-positivo, um hermafrodita, um pensador, possa se sentir confortável num meio tão uniformemente padronizado, fechado, linear e sufocante?
Se você tem o privilégio ter viver numa sociedade onde você sente-se confortável, sinta-se agradecido. Inclusive, use este conhecimento como atenuante para lhe confortar em alguma outra situação mais difícil para si. Mas acima de tudo, aprenda a desenvolver simpatia por aqueles que, sem escolha, ou com pouco recurso para tal, necessitam continuar a interagir, dia após dia, com um meio talhado para o comum, por um meio que espera e imoralmente conspira pela formação do comum.
A diversidade é a característica maior da raça humana. Se você ainda não conseguiu entender isso, experimente imaginar uma lei revogando o que de mais precioso você possui. Assustou-se? Agora estenda esse pensamento ao seu próximo.
Uma boa semana a todos.
Eduardo Divério.
O universo da língua inglesa tem uma expressão que é ‘in her/his shoes’ que basicamente significa nos colocarmos na posição da outra pessoa e tentar entender uma situação sob o prisma dela.
Quantas vezes ouvimos os relatos de pessoas, sobre o quão difícil é suportar uma situação, ou conviver num local ou com um grupo, quando a impressão que temos é extatamente oposta a esta?
A maioria dos brasileiros que conheço em Inglaterra têm uma visão bem adversa a minha em relação aquela cultura, aquele povo. Então pus-me a pensar porque faria eu parte de uma minoria em que, estando fora de casa, sinto-me tão a vontade, em viver num lugar onde pessoas provenientes do mesmo país que eu não o sentem assim.
Então observei que via de regra, as pessoas que não se adaptaram à cultura inglesa constituíam dois grupos: As que tinham migrado direto do Brasil para lá e ou aqueles que aguerridamente vivem em guetos, como se nunca tivessem migrado para lá.
Depois, conjecturei que eu já estava vivendo na Europa por mais de doze anos quando me mudei para lá. E mudei-me para lá atraído pelas possibilidades de mudar alguns cenários em minha vida, o que consegui com sucesso. Mas ‘colocando-me nos sapatos dos outros’ admito que seja um brutal choque de culturas, de ritmos, enfim, de formação. Um contraste muito grande para se suportar assim, de uma semana para outra. Contudo, quando escuto queixas e comentários aos quais não concordo, sequer consigo me por em defesa de minha visão, pois vejo, enxergo nos olhos da pessoa o peso real da dor narrada.
Momentaneamente em Lisboa, eu é que me sinto ‘fora dos meus sapatos’ e um contínuo e diário trabalho emocional é levado a cabo por mim de forma a não sucumbir numa longa depressão. Mas o trabalho ainda se torna mais difícil quando nos sentimos sozinhos a fazê-lo.
É claro que as pessoas que por aqui vivem, lá tem seus esquemas e estruturas de ‘sobrevivência’ e entendo que o que elas menos precisam, seja de alguém a lhes fazer saltar à vista defeitos ou dificuldades que possam comprometer a paz desta estrutura. Ninguém gosta que se fale mal da sua nacionalidade, na sua cidade natal, da escola por onde se andou por mais de dez anos.
Depois também é um fato assimilado por mim que o meio, como o sinto, apenas existe em minha mente. Que por mais preciso, coerente ou realista que seja a observação de um comportamento, de como ele me afeta, só a mim o faz, e também a pessoas que tenham uma estrutura emocional parecida com a minha.
Por isso o que me cansa um bocado é extamente esta falta de noção nos outros, esta falta de simpatia das pessoas em perceber que um ponto de vista é, como o próprio nome indica, uma perspectiva, a angulatura de um assunto e não a sua definição de forma absoluta.
As pessoas reagem de imediato, como que num instinto maternal, para proteger sua cria, quando sentem-se diferidas nas palavras de outro. Se digo que em Lisboa não acho um lugar onde eu sinta-me bem atendido, automaticamente acabei de desvalidar o juízo de alguém que não se importa, ou não é afetado, pelo mal trato do comércio português.
Se digo que não gosto de música ‘axé’ e estranho, achando de mal gosto, que um grupo musical possa se chamar ‘calcinha preta’, estou de novo, automaticamente, desmerecendo o gosto de alguém e sendo ‘snobe’. Mesmo com a pessoa sabendo que vivo fora do Brasil por mais de 16 anos e estas referências não têm o menor registro na minha vida.
Mas dá licença?
Primeiro: As pessoas deveriam ser mais seguras e avisadas de suas decisões, escolhas e gostos e assumirem-se em relação a eles, sem se sentirem diminuídas por quem não compartilha a mesma opinião.
Segundo: As pessoas poderiam se aperceber mais das diversidades de pessoas sem privilégios que coexistem em nossas sociedades e que pagam impostos na mesma!
Como se espera, por exemplo, que um casal heterossexual e um homossexual sintam o meio da mesma forma, quando um tem todos os direitos e o outro vive na total irregularidade, legal e moral?
Como se espera que uma pessoa que vive presa num corpo com um sexo diferente aquele ao qual ela sente ser, possa se sentir à vontade, sequer para discutir esta situação?
Como se espera que alguém que precise de um aborto, que um soro-positivo, um hermafrodita, um pensador, possa se sentir confortável num meio tão uniformemente padronizado, fechado, linear e sufocante?
Se você tem o privilégio ter viver numa sociedade onde você sente-se confortável, sinta-se agradecido. Inclusive, use este conhecimento como atenuante para lhe confortar em alguma outra situação mais difícil para si. Mas acima de tudo, aprenda a desenvolver simpatia por aqueles que, sem escolha, ou com pouco recurso para tal, necessitam continuar a interagir, dia após dia, com um meio talhado para o comum, por um meio que espera e imoralmente conspira pela formação do comum.
A diversidade é a característica maior da raça humana. Se você ainda não conseguiu entender isso, experimente imaginar uma lei revogando o que de mais precioso você possui. Assustou-se? Agora estenda esse pensamento ao seu próximo.
Uma boa semana a todos.
Eduardo Divério.