segunda-feira, junho 28, 2010

 
Armadilhas de Eros

Durante um jantar entre amigos, ascendeu-se uma pequena discussão sobre amor, paixão, romantismo e razão. Os suspeitos de costume. Mas com a razão como o elemento mais marginal deste cenário, claro. Senti que lhe era atribuída a responsabilidade pelo fim do romance, como se ela contivesse emoções e sentimentos.

Inúmeros argumentos salientaram a lícita e real existência de todos eles em nossas vidas. Contudo, ligá-los de uma forma coerente, equilibrá-los no coexistir com o indivíduo, tornou-se uma tarefa árdua. Como se fossem astros que translatassem ao redor de um ser, nós, com órbitas definidas, numa trajectória onde seus campos magnéticos pouco se cruzam, mesmo fazendo parte de um mesmo sistema. Como se fossem entidades divinas distintas, mas que tratam de assuntos em comum.

Mas se Eros é tão somente a versão Grega mais safada do Cupido, como um homem contemporâneo ‘flechado’ se permite entregar-se a uma paixão, vivê-la com algum romantismo, sem perder razão?

Gente, vocês já viram uma Gorila com dor de cotovelo ou um golfinho deprimido? Uma girafa apaixonada ou alguma baleia compondo um samba-canção? Não! Pois é... uma outra linha de mamíferos, aquela sem uma razão.

Nós, mamíferos dito evoluídos (dito por nós memos), temos na nossa composição este componente, logo, parece-me meio complicado que a queiramos elimina-la da equação. Houve um ‘alemãozinho’ que acreditava que é pela razão que realizamos o entendimento das coisas.

De volta à natureza, sabemos que os seres vertebrados, por exemplo, accionam descargas feromónicas, mudam de cor, alteram suas plumagens e deixam o ‘Eros’ tomar conta, mas tudo pela procriação.

Bem, nós como mamíferos, e vertebrados, somos portadores de semelhantes ‘armas’ para a ‘guerra’ do acasalamento. Porém, eu não estou a ver uma gorila entrando com uma acção na justiça, exigindo reconhecimento de paternidade do seu parceiro negligente. Sim, porque ele sequer tomou conhecimento que teve um herdeiro. Já connosco... bem, é um bocado diferente. A Razão não nos permite ignorar aquela barriga, que por 9 meses cresceu e que trouxe ao mundo um menininho que é a cara do tio Fernando! - E agora lembrei-me de uma pessoa muito querida que detesta nomes no gerúndio...

Então, o entregar-se a uma paixão, para a nossa classe de mamíferos, é algo mais denso, com muito mais consequências. Não tem como ser apenas um acto de ‘ripa-na-chulipa’. Mais! Você já viu alguma girafa chorando porque passados dois dias depois daquele jantar super romântico, à luz de velas, com um aroma a chianti e a som de violinos, o ‘girafo’ sequer mandou uma mensagenzinha pelo facebook?

Todo este ritual, imbuído num sentimento, incentivado pela dopamina, adormece-nos de facto a razão e quando menos esperamos, podemos encontrar o nosso coelho de estimação fazendo parte do ensopado para o jantar, numas de atracção fatal.

Não podemos separar estes elementos! Temos andado é, insistentemente, a tentar vivê-los separadamente!

Um AMOR é o que pode se seguir a uma grande PAIXÃO e doses de ROMANTISMO podem estar na RAZÃO deste seguimento. Isso e mais uma dúzia e meia de outras combinações...

Mas acima de tudo, e depois que passou o efeito do chinati, devido a estrutura social que temos, é a ‘razão’ o único elemento que pode modular, medir, comedir o básico da natureza, pelo menos na nossa classe de mamíferos.

Vejam bem: Você quer ser mãe como precisa da água para viver. Conheceu um amigo da sua cunhada que a levou para passar uma semana nos Lagos Italianos e foi tudo perfeito. Detalhe, o rapaz já teve um filho e não quer, sob hipótese alguma, voltar a ser pai. Preciso continuar?

Você é gay e super resolvido. Conhece um indivíduo que é um colosso na cama, dedicado na sala, cozinha como ninguém e ainda sabe de cor o último acto de Turandot – no original – mas ele vive no armário. Tem condições?

Você tem 42 anos e conhece alguém de 26. O sexo é bom, o carinho flúi sem problema. No começo você acha engraçado que a pessoa fosse criança de mais para lembrar de algo que para você é uma memória histórica viva. Depois você apercebe-se que o seu rítimo social é mais brando, que você não precisa ver seus amigos todos os dias, que você já não quer mais provar nada à ninguém na empresa onde trabalha e acima de tudo, já não se importa mais se quem veio primeiro foi o ovo ou galinha.

Você folga aos Sábados e Domingos e adora viajar. Mas vais fazer o quê com alguém que trabalha num shopping center?

Você é alérgico a nicotina. Mas criatura! ‘Tá bem, os orgasmos são memoráveis, mas tu vais acabar por morrer de asma com uma pessoa que fuma um maço por dia!

Sei, a culpa é do Cupido, pois não escolhemos por quem sentimos o que sentimos. A-hã. Engraçado é que a flecha nunca é por um anão banguela...

Sinais. Uma paixão nos cega! Nos impede de ver tudo isso acima. E por isso a razão é fundamental, apesar de ficar tonta e parva. Você está vendo que as prioridades da pessoa são diferentes da sua, mas ela tem um sorriso tão encantador, leva-lhe à nuvens e depois é um sentimento tão bom, você sente-se tão próximo a ela, tão acarinhado... o resto dá-se um jeito, trabalha-se. E de que maneira!

Não podemos negar nossa natureza. A parte biológica mamífera continua a ter as mesmas funções de outrora. Nossas ‘ocas’ é que agora vêm aos andares! Devido a própria estrutura que desenvolvemos à partir de nossa inteligência, é que a razão é fundamental para nos dar o equilíbrio, para fazer-nos reconhecer, dentro desta estrutura única humana, o que de facto trazer-nos-á a tal da felicidade. Ou algo muito próximo a ela.

Contudo, a mesma razão que negamos na hora de reconhecer os sinais, é usada, com um expoente bem alto, para racionalizar nossa decisão de continuar com alguém... pouco compatível. A paixão acabou e deixou dois, três anos de furtivas memórias. Gostamos, até amamos a pessoa mas subitamente, a nossa vida transforma-se numa constante contabilidade. E porque gostamos, perdoamos, relevamos, esperamos, aguentamos e desejamos, de repente, somos reféns de um amor. O mesmo nobre sentimento aclamado por manter, gerar, e alimentar, pode muito bem, nos fazer prisioneiros numa relação que nos cansa, dia após dia, até que a morte nos separe.

Acho que a razão deveria exercer mais a sua função de gerir limites. Por que algo tão bom deve expirar? Até quando eu hei de esperar? Por que alimentar um amor do qual não se tem retorno? Estas são perguntas que nunca deveríamos ter medo de fazê-las.

Há diferenças e há incompatibilidades. E incompatibilidade não é um crime!

Também todo mundo entende que uma gorila com uma girafa é uma relação muito gira, muito gira, mas que não há de ir a lado nenhum, pois não?

Boa semana a todos.

Eduardo Divério.

Comments:
odeio nome em gerúndio, prefiro lambrusco a chianti, mas adorei o seu artigo. mais comentários? por agora... impossível. Meio girafa, gorila e até abaporu, mas não consigo comentar mais...
 
Postar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?