terça-feira, junho 08, 2010

 
Paternidade

Ouve-se imenso falar sobre maternidade, sobre ser mãe, sobre um suposto relógio biológico, sobre padecer no paraíso, sobre um amor incondicional e sem preferências entre os filhos, sobre intuição de mãe e claro, sobre praga de mãe. Mas e do pai? O que se fala sobre a paternidade?

Longos minutos depois de ter escrito o parágrafo anterior, tentando achar equivalentes chavões no sexo masculino, ocorreu-me apenas: pai é aquele que cria.

É possível que você tenha lembrado de mais algum. Está bem, vá lá! Mais uns dois, talvez. Mas o facto aqui é que, para escrever o primeiro parágrafo eu quase não precisei pensar e o segundo, bem, em segundo vem aquela que provê.

Numa idade onde espermatozóides já podem ser gerados em laboratório, com todo o requinte genético necessário, e num tubo de ensaio na cor que mais agrade à MÃE, a paternidade é algo do qual fala-se menos e menos. Quantos mais participativos os pais tornaram-se nas tarefas diárias de um lar, menos sabe-se deles, menos ouve-se deles, de sua verdadeira tarefa e quase que são confundidos como meros au pairs.

Na sociedade latina, pelo menos, o pai foi sempre a pilastra de uma família, o exemplo de força, de moral e, pela carga destes próprios conceitos, aquele que aprova, que ajuíza e que avalia. Claro que esta figura tem um impacto muito maior sobre um filho do que sobre uma filha, pelo efeito da identificação, pela introjeção de um comportamento que será assumido no futuro. Existe uma tácita passagem de conhecimento, de ‘coroa’, um movimento hereditário e vitalício, real – no sentido de realeza - na relação entre um pai e um filho. Um há de desempenhar as mesmas tarefas do outro num amanhã próximo.

Mas sabe-se que um Rei não se faz em um dia.

Esta pilastra, esta força, pode ser, como qualquer força, inerte ou activa, propulcionante ou esmagadora. Ela cria tanto um déspota tirano, como um nobre soberano e sendo esta força assim, tão poderosa, como pode ser possível não se falar dela?!

Eu, durante muito anos, acreditei que a paternidade era algo que se auto resolvia. Eu seria filho até o dia em que me tornasse pai e então, naturalmente, eu entenderia as questões em aberto, resolver-me-ia e esperaria tranquilamente por passar a coroa à frente.

Contudo, aos quase quarenta anos e sem um herdeiro, deparo-me com o peso da coroa de meu pai e por mais que lhe puxe o lustro, ela não brilha como brilhava em sua cabeça. Acometido então por esta curiosidade, sem um seguimento natural para resolver a paternidade na minha vida, apercebi-me que tamanho brilho sempre fora, afinal, uma questão de angulatura. Quando criança, olhando de baixo, via a luz do sol reflectir-se por cima de minha cabeça e esta foi a lembrança que guardei. Na verdade, à medida que fui crescendo, ganhando altura, de alguma forma esta luz ofuscou-me a vista e para o lado eu tive de olhar.

Somos um amontoado de automatismos, de reacções espontâneas, resultado de anos de exercícios repetitivos. Se hoje, que somos adultos, ainda temos dificuldades em seleccionar nossos modelos, imagine no que uma criança, um ser em desenvolvimento, pode se basear para faze-lo?

Estou certo que ser pai não pode ser uma tarefa fácil, mas parece-me existir gente demais dependendo do sucesso desta execução, por isso acho que deveríamos fazer deste assunto algo mais comum, menos brilhoso e muito mais acessível!

Dedico esta semana a todos aqueles que de uma forma ou de outra têm uma paternidade por resolver, seja como Rei, seja como Príncipe.

Uma boa semana à todos.

Eduardo Divério.

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