sexta-feira, setembro 30, 2011

 

A Loteria das Ordens


Os ursos, da classe dos mamíferos, da ordem dos carnívoros, todos os anos, depois de um longo período de hibernação, empreitam a cansativa tarefa de caçar. Com suas reservas de energia tangendo limites alarmantes, eles posicionam-se ao alto de quedas d’água à espera, literalmente, que o alimento lhes venha à boca.

O alimento em questão, os salmões, da classe dos peixes, da ordem dos salmonidaes, todos os anos, por esta mesma altura, devido a oscilações da temperatura da água do mar, nadam contra a correnteza dos rios e mesmo quedas d’água acima, á procura de águas menos frias.

Houve aí uma estação destas onde a temperatura da água retardou demais em mudar e os salmões, sem a necessidade de procurar águas mais amenas, não subiram as correntezas dos rios em sincronia com o despertar faminto dos ursos e aqui começa uma incrível história de adaptação. Ou de alienação? Hum…

Os ursos, desesperados de fome, dia após dia em prontidão às margens das cascatas, foram aos poucos sucumbindo de inanição. Todos menos um. Este ‘sabe Deus porquê’ urso especial, num ímpeto a Scarlet Ohara, lá atinou em desenterrar do meio das pedras, estes pequenos crustáceos que por lá viviam. Não só, partia-lhes sua rija carapaça e deles passou a se alimentar.

Estou certo que se essa colônia fosse da ordem dos primatas, que em breve todos estariam supridos de alimento e que o novo menu estaria muito bem inserido e adaptado na hierarquia social deste grupo. Contudo, ursos não são muito famosos por sua inteligência, sequer por possuírem um espírito de adaptação, e a verdade é que apenas um manteve-se alimentado até finalmente a oscilação de temperatura fazer os salmões cumprirem seu papel na cadeia alimentar.

Eu fiquei passado com tamanha dependência, com tamanho desespero em frente de uma situação inusitada, com tanta falta de saber o que fazer.

Depois, lembrei-me de um documentário que vi há anos, durante um curso de ‘Documentary Film Maker’ que fiz em Londres, onde um repórter submeteu-se a viver 30 dias alimentando-se da mesma forma que uma comunidade Etíope o fazia para se manterem vivos.

Ao longo dos dias, enquanto ele gravava seus depoimentos, depois de ter comido sopa de erva daninha, e ter vomitado – o que era comum entre os nativos – eu notava no fundo da cena algumas galinhas e cabras a caminharem; lindas, soltas e tranquilas por lá.

Quando finalmente o documentário acabou, eu tive que perguntar por que raio que com tanta fome, aquela gente não bebia leite de cabra, não comia ovos ou mesmo as galinhas ou as cabras? E a triste revelação veio à tona. Aquele grupo simplesmente não sabia que isso é possível e quando tentaram lhes ensinar, acharam tudo um absurdo e uma aberração! Só comeriam o que os deuses lhe provessem da terra…

E isso para mim é a prova cabal que não importa a ordem na classe de onde se veio. É necessário um instinto, uma chama, aquele brilho que diferencia um ser do outro e isso, no fundo, assusta-me. Saber que um mesmo livro pode mudar a vida de uma dezena de pessoas e ser esquecido por uma centena de outras, faz parte da autêntica loteria que é se relacionar.

Bem, com isso tudo, a moral da história, ou das histórias, é que talvez não valha à pena ficar insistindo, à espera, na esperança, que esse ou aquela entendam isso ou aperceba-se daquilo. Mais vale, talvez, mudarmos nossa dieta do que morrermos abraçados de fome. Ou vomitando…

Uma boa semana, farta, para todos.

Eduardo Diverio

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