segunda-feira, janeiro 30, 2012

 

Dance! Apenas dance.


Há mais de vinte anos, quando eu ainda era um estudante de balé classico, tive o privélio de fazer algumas aulas com o lendário professor Roland. Lembro-me de estarmos  ensaiando para o espetáculo anual da escola  e de ouvi-lo dizer: ‘nas aulas, voces devem ter toda a sua atenção no que fazem, no movimento de voces; corrijam-se sempre, pois esse exercício fará a técnica fluir naturalmente. Mas em placo, durante um espetáculo, soltem-se, confiem nos exercícios feitos e dancem! Apenas dancem’.

Dançar é arriscado. Durante um espetáculo uma lista de coisas erradas podem acontecer: pedaços do cenário desfazem-se, coisas perdidas na escuridão das coxias causam acidentes, exaustão física, lápso de memória coreográfica, gripe, diarréria, unha do pé inflamada, uma rótula ressentida pelos longos ensaios, um pé torcido depois de um grand jete, desidratação, enfim.  

Contudo, o bailarino não pensa em nada disso  enquanto espera que as cortinas sejam abertas. Redobra-se os esparadrapos ao redor do dedos dos pés, coloca-se extensores à volta dos joelhos, evita-se usar aquele tornozelo problemático, toma-se 2 voltarens, veste-se a fantasia, coloca-se a maquiagem e dança-se, apenas dança-se, em meio aos riscos, pelo prazer, pela energia, pela evidência maior de se estar vivo.

Quantas coisas andamos a protelar, quantas coisas andamos a arrastar ou  mesmo tentando controlar, dando-lhes uma atenção descabida, como se para cada solução necessária, houvesse  uma enorme pressão para se fazer correto ou pior, para não fazer errado de novo!

Dominados pelo medo do incerto, permitimo-nos comparar estas coisas com experiências passadas, quando ainda não, com lembranças emocionais de coisas experenciadas no passado, e aí não vemos que estamos apenas a deixar de viver.

Viver não vem com manual como um bailarino não sobe em palco que não seja para dançar.

É verdade que o ‘mau’ está em nós e que é ele que causa a sensação de sermos marionetes do destino, vivendo padrões recorrentes, tendo sempre os mesmos problemas no trabalho, sendo sempre o  mal amado da relação ou nunca apto de grandes conquistas. Como se fossem castigos, provações ou Karma.

Mas esta mesma estrura que dá residência a este ‘mau’ contém o veículo da percepção de rítimos, de novos rítimos, e por isso acredito que as experiências sirvam para nos permitir a conhecer  mais de nós mesmos! Mudar de ‘tática’, de ‘estratégia’, de coreografia...  A nossa frente estão apenas oportunidades novas, pessoas novas, situações novas e via-de-regra, apenas nós é que somos a mesma coisa!

Medo e ‘mesmisse’ não vendem ingressos e não constituiem espetáculos, de natureza nenhuma. Não há certezas como há imensos riscos. Um oceano de coisas podem dar errado, mas entretando, é gratificante demais ouvir os aplausos, os azuvios e sentir aquela enorme sensação de realização quando a cortina fecha, quando acaba a temporada.

Não vale à pena pensar muito, querer aperfeiçoar tanto, planear demais. Dance! Apenas dance.

Desejo uma semana coroeográfica a todos.

Eduardo Divério.

Comments:
Descobri-te hoje neste blog que vou tentar seguir de perto :)

Para já, só tenho a agradecer o conselho que deixas.

Bjs
 
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