segunda-feira, março 26, 2012
Além da Vida. Mas não esqueça do que existe antes...
Há dias li
no jornal que uma senhora, ao retornar do hospital onde fazia quimioterapia, vivendo
num período pós-cirúrgico, encontrou seu marido e único filho, de cinco anos,
mortos em casa, asfixiados por um vazamento de gás de uma das bocas do fogão na
cozinha.
É-me
difícil imaginar, conceber tamanho impacto como este sobre a vida de alguém.
Sabemos o que é perder um ente querido, já experienciamos acidentes, perda de
emprego, falta de dinheiro, mas algo assim... caramba! Como e por quê se
sobrevive a algo assim? Quais valores são suficientemente fortes para nos
suportar num embate destes?
Tenho
vivido, talvez, na cidade que alberga a maior concentração de diferentes credos
no planeta. O mais notável, para mim, é
manterem seus costumes, suas tradições, não só na religião mas também na alimentação
e no vestuário. Quando estamos num trem,
podemos sentir os odores tanto de um Big Mac como um de Pita Shawarma e numa
liquidação da Selfridges, por exemplo, nos encontramos cercados de protestantes
Sul Americanos, Indianos e Árabes (com suas burkas).
Pois virei-me
então para esta mesma cidade e perguntei-lhe como se sobrevive a um impacto
assim. Os Católicos disseram-me que era a vontade de Deus, que ela deveria
manter a fé, pois que no ´céu’ não haveria dor, doença ou perdas. Os Espíritas
chamaram-me a atenção para o processo do karma, do quão mais perto de uma
dimensão perfeita ela teria ficado; ainda que pudesse ter que voltar umas 48
vezes. Os Judeus puseram a culpa no fabricante de fogões e queriam processar a
empresa e pedir uma indemnização para a senhora; assim ela viveria confortavelmente até a sua
morte, ou a chegada do Messias. Os Mulçumanos
não entenderam a minha preocupação com a mulher, ponto. Os Hare Krishna abraçaram-me
forte e sem nada dizer, começaram a cantar e a dançar. Os Budistas explicaram-me que tudo na
vida tem um início e um fim, que tudo é um ciclo e eu? Com cara de pombo... Os
psicanalistas detiveram-se ao ato de auto sabotagem do marido, que não suportando
a ideia de ficar viúvo, e responsável
por uma criança, inconscientemente, deixou um bico de gás aberto. Mas antes que
pudéssemos falar da mulher, o tempo da minha sessão acabou. E os Universais do
Reino de Deus foram categóricos em afirmar que Satanás havia tomado aquela casa
e que somente depois dela fazer uma choruda contribuição financeira, o Senhor
iria guiá-la na sua dor. Mas não me disseram para onde.
Mas eu
seguia aflito. Seria a promessa de uma vida melhor após a morte, o suficiente
para ela seguir acordando, comendo, dar água às plantas e comida aos peixes, ir
à feira, tomar um tylenol para dor de cabeça e continuar indo a químio?
Quando a
promessa do que vem depois é tão absurdamente perfeita, ter fé é mesmo a
resposta para aguentar à espera? A mesma
espera por algo que, apesar de milhões de anos, é simplesmente um dos fatos da
vida mais temidos de se ultrapassar ainda hoje?
Enquanto eu
pensava, lembrei-me de Jó e de sua história, encontrada no seu livro homónimo na
Bíblia. Jó perdera tudo e a todos, mas antes de sua morte, alegadamente, Deus
proveu-lhe tudo de volta, melhor e com mais abundância. Ou seja, antes da vida
perfeita, e de sua morte, ele voltou a ser feliz, ele seguiu com sua vida, com
as coisas que esta vida ‘esperava’ dele, e pelo jeito, Deus também.
Eu acredito
que nada na vida é por acaso. Acredito que tudo está interligado, gerando uma cadeia
de sequência de eventos e que cada um destes eventos gera as suas próprias consequências,
gerando novos eventos. Mas também acredito que na crença do ‘nada ser por acaso’,
não existe a obrigatoriedade de haver uma lição por se aprender, uma razão aplicável
ao nosso presente, ou algo que só venha fazer sentido anos no futuro. Pois afinal, ‘um charuto, às vezes, é apenas
um charuto’.
Não existe
uma escala ‘Richter’ que meça a dimensão de desespero de um mau evento na vida
das pessoas. Estou certo que um adolescente que precise mudar de país para
acompanhar a carreira de seu pai, deva sofrer e amargura-se tanto, no seu limite, como o
evento que abre este blog. Apesar de
parecer ridículo e injusto, apenas calca-se na relatividade das idades, das
maturidades e valores de cada um no seu tempo/espaço.
Quando
penso nas piores ‘dores’ que tive, concluo que minha pessoa não se inspirou no
céu (tive formação Católica) ou no divino, mas no mero fato de apenas se estar
vivo. Porque a probabilidade massivamente maior é que amanhã acordarei de novo,
respirando, precisando comer e que seja
por acaso, vontade divina ou reação físico-quântica, é uma nova chance, é mais
uma oportunidade de se viver tudo o que de maravilhoso existe neste planeta,
neste plano, nesta dimensão e isso faz-me sentido.
Faz parte
desta vida chorar por dor e perda, as vezes mesmo por anos. Faz parte desta
vida errar e aprender para fazer certo. Faz parte desta vida sentir alegria com
qualquer coisa que nos faça sorrir, pois isso não se controla. Viver pela fé
que depois da morte seremos recompensados, é negar a responsabilidade de nossas
decisões, é retirar-nos a nós mesmos a administração de um dia a seguir ao
outro. É reafirmar o medo de errar. É sucumbir e perder a vontade interna, o
norte da sua estada aqui. Viver uma vida mediando-se pela que, supostamente,
vem depois, seria o mesmo que estar no quinto ano de escola e prestar exames com
temas do sexto. É negar a própria experiência em si, quiça, um estágio.
Usufrua da
sua religião, da sua crença, do seu Deus e da sua fé como fonte de inspiração.
Como algo que lhe proporcione serenidade, balanço. Que o faça ‘vibrar’ de uma
forma positiva, de maneira que as suas decisões reflitam um comportamento
afinado com as suas intenções, de maneira que você se aproxime à perfeição do
que a sua natureza, nesta vida, como ela é, se encaixa no meio, com o meio.
Desencadeie situações de honestidade para com a sua vontade e as consequências farar-se-ão
sentir. Ainda antes da morte.
Eu desejo a
todos uma boa semana.
Eduardo Divério.