sábado, março 10, 2012
A Síndrome do Pecado Original
Adão andava lá pelo paraíso num tédio de dar dó. Sentía-se
sozinho, vivendo uma mesmisse onde nada de novo acontecia. Um dia, depois de um
sono muito profundo, acordou com uma cicatriz enorme e uma mulher chamada Eva
ao seu lao. Ele, que era um homem que nunca a nada havia buscado ou visto,
apaixonou-se por ela no mesmo instante.
Eva seguia sua vidinha, preparando abóbora para o jantar, fazendo
cozidos à Portuguesa só com carnes bovinas de primeira, colocando roupa na
máquina e extendendo-as de seguida, lavava louça, aspirava a casa, ía à feira,
enfim. Lá pelas tantas, num belo dia, faz amizade com uma Serpente que era boa
de papo como só ela!
Eva levou a serpente para jantar em casa e esta, contava-lhes
histórias incríveis, de lugares fantásticos, com pessoas maravilhosas, com
coisas interesssantes para se ver e fazer e, apesar de Adão não mostrar o menor
interesse nos contos, Eva deixava sua imaginação viajar por aquelas histórias.
Eva e a Serpente começaram a trocar emails todos os dias e
eventualemente começaram a sair para tomar chá. Sua amizade crescia e
fortificava-se em companheirismo e confiança. A Serpente levou Eva à Macy’s e a
Bloomingdales, fê-la vestir Dior e as jóias da Bulgari. Mostrou-lhe uma gama de maquiagem da Chanel, vizitaram juntas
o London eye, a torre Eifel e o Empire Sates. Assistiram ao Fantasma da Ópera e
aos Monólogos da Vagina, liam Sartre e ouviam todo o tipo de música, sempre
juntas.
Entretanto, Adão sentia-se enciumado e possessivo, mas em
nada melhorava seu comportamento, em nada progredia como pessoa, como se não
soubesse usar a dádiva da vida soprada em seus pulmões. Sua incompatibiidade de espírito com Eva
gritava e ela não sentia o amor, o conforto e a companhia que sentia junto da
Serpente.
Como se era de esperar, Eva, tomada por sentimentos e
sensações de tamanha grandiozidade, reconhecendo a pureza e a naturalidade com que
se envolvera com aquilo tudo, acaba por trair
Adão com a Serpente.
Adão diz-lhe coisas horríveis e lembra-lhe que ela tinha uma
costela dele. Nos dias que se seguem, Eva começa a sentir-se deprimida e muito culpada,
pois antes da Serpente, sua vida era amena e apesar de saber que fizera tudo
por vontade própria, começou a responsabilizar a Serpente por ter-lhe apresentado
um mundo ao qual ela não conseguia resistir. Não só, sentia culpa por estar
apaixonada por outra criatura que não àquela com quem já vivia.
Eva passa a escrever cada vez menos para Serpente e
eventualemente, deixam-se de se falar. Não que Eva já não amasse-a mais, ou que
em seu íntimo ainda não clamasse por toda a felicidade que sentia ao lado da
Serpente, mas porque a sua culpa fazia tudo o que sentiam paracer ser errado,
nojento. Olhar, pensar na amiga, no seu verdadeiro amor, era automaticamente associado
à causa de dor, de desvio de comportamento, de traição , resignando-se àquela vida.
Eva nunca entendera que apesar de não ter agido da forma
mais correta, nunca fôra pelo mal de ninguém, nunca aceitou que fizera como
pudera. Nunca entendera que o chamado interno, que a revelação da sua natureza
em ser mulher, demandava mais do que ser só esposa. Eva nunca entendeu que era
prisioneira de um mundo que não era o dela.
Sentindo-se resposável por não voltar a deixar o bundão do
Adão sozinho, ela desenvolveu mecanismos para esquecer e afastar o acontecido dela, num acto inconsciente de
auto-punição.
Os anos seguiram, mas nada nunca mais fôra o mesmo. Ambos já
sabiam quem eram e o que precisavam como seres humanos, mas ao se calarem, ou
ao não se ouvirem, condenaram-se a uma vida de depressão e mesmisse e até o
paraído, aos olhos deles, perdeu toda a sua beleza. Seus filhos, por
consequência, também nunca conheceram o paraíso em seu explendor, pois este,
apesar de igual, fôra-lhes apresentado pelos olhos de seus pais...
Nós crescemos com os valores e sob as regras no nosso meio
infantil e via de regra, é a relação que temos com nossos pais que vai dar o
nível de intensidade em como experienciamos, desafiamos, estes valores e regras.
À medida que crescemos, descubrimos que temos uma
sensabilidade própria. Por exemplo,
apesar de seu pai querer que sejas médico, queres ser bailarino, sentes-te muito, mesmo
muito feliz quando danças. Mas se a dança, na sua cultura (o meio e os valores
da infância), estiver atrelada a ínúmeros predicados negativos, como: ‘ser coisa de viado’, ‘não pagar as contas’,
‘dá-te uma carreira muito curta’ ou ‘não é um emprego de um homem de verdade’,
só lhe resta então ou romper com esta cultura ou romper com a dança
- que te dá imensa felicidade…
E basicamente vivemos asim. Nossa natureza, nossa
criatividade, nossa cuirosidade, vai
envolvendo-se com coisas adversas aos nossos
“valores” e ao permitirmo-nos ’provar da maçã’, na confusão que isso
gera, mergulhados em culpa, acabamos por afastar de nós aquilo que na verdade nos
teria trazido felicdade.
Romper com valores é muito difícil. Por outro lado, quando
estamos certos de um valor e sentimos que precisamos agir contra ele, acabamos com a sensação de
traição, de termos feito sujeira. Mas muitas vezes, é no caos que está a libertação e muitas
vezes é na separação que encontramos a reconcialização, quiça, com este mesmo
valor. Se de forma a podermos ter certeza, com liberdade verdadeira, que isso ou aquilo é mesmo o que se quer,
eventualemente, ir contra um valor nobre terá de ser o preço. Mas lembre-se que faz parte de nossa natureza
e lembre-se também que não somos julgados por nossos erros, mas por como os consertamos, pelo o quê aprendemos com eles.
Acima de tudo, perdoe-se por ter errado. Perdoe-se por
ter ‘traído’ um nobre valor, mas não
faça da experiência algo sujo a esquecer e não feche os olhos às motivaçóes que
lhe levaram a este acto. E preste muita atenção para não se submeter à
auto-punição, para não aplicar a si mesmo um castigo. Ache balanço, procure equilíbrio e
naturalmente encontrar-se-á paz, entrar-se-á em afinadade na relação entre sensibiildade e
valores.
Ainda na analogia fé versos tentação, lembre-se que ninguém
se apaixona por outra pessoa enquanto seu coração permanece ocupado, é preciso estar vazio para que isso
ocorra, mesmo que já se viva com alguém.
Lembre-se que sentir o desejo por algo nada mais é do que
uma reação natural de atração, de compatibilidade entre voce e o ‘objecto’.
Lembre-se sempre de escutar o que vem de dentro de voce,
pois na realização disso, reside o segredo de nossa paz.
Perdoe-se sempre, pois
és de carne e osso e erro nenhum fôra causado por mal. Aprenda com ele!
Por fim, permita-se.
Permita-se ouvir, reavaliar, questionar... permita-se sempre! Cada idade
nos revela um um novo nível de compreensão. Logo, querer arrastar os mesmos,
intocáveis, valores pelo curso da vida é... pouco natural.
Uma excelente semana para todos.
Eduardo Divério.