quinta-feira, abril 19, 2012
‘... Pero Mamã, Son Chinos!’
Conversando
com um amigo, veio à tona este engraçado caso de um casal de amigos dele,
Espanhóis vivendo em Espanha, que adotaram uma criança Chinesa. Lá pelas
tantas, ela cresceu, inserida na cultura ao seu redor, e isso incluiu o
idioma. Então seus pais resolveram expô-la um pouco à cultura chinesa, enfim,
suas raízes étnicas, blá, blá, blá. Ao se encontrar entre um grupo de infantes Chineses, a criança não acaba por ter um ‘surto’, um
choque cultural, com tudo o que via, gritando: ‘mamá! Que son chinos! Chinos!’.
Uma criança
vê o mundo pelos olhos de seus pais. Ela cresce e passa a ajuizá-lo por esta
mesma lente. Gente, é claro que esta
criança tinha espelho em casa, mas seus evidentes traços étnicos nunca foram apontados como relevância, logo nunca vistos, desfocados pelo resto da cultura e amor em que
vivia inserida. Não existe dúvida quando existe conforto, não havia incomodo em
sua vida que levantasse a questão.
Depois, falamos de uma criança!
É muito
claro e compreensível que não tenha havido identificação imediata com o grupo.
Mas claro também é que, se esta criança passa-se a conviver com outras
chinesinhas, com aquele grupo, ela lentamente se aperceberia ser mais parecida
com eles do que com os entes de sua própria família. E uma procura, em algum
nível, teria início.
Gente, por
mais que estes pais Espanhóis amem esta criança e tenham feito dela sua família
e dado a ela seu mundo como cultura, ela é Chinesa, está no seu DNA. Ponto. Ela
poderá vir a tirar o primeiro lugar num concurso de dança Sevillana, ler e
interpretar Gabriel Garcia Lorca com soberania, mas ela sempre será diferente da maioria naquele país.
Bem, eu
acho que isso ilustra na perfeição uma série de outras características que
fazem um diferente dentro de sua família. Ser gay ou lésbica, ser vegetariano quando o pai tem um açougue, simpatizante do
Green Peace quando seus irmãos têm prêmios por caça, querer ser bailarino numa
família de médicos e advogados ou querer ser um monge budista e mudar-se para o
Tibete quando sua família é Testemunha de Jeová.
O que
interessa aqui é, relevar que um cresce sob a educação, valores e conceitos de
sua família, mas é quando este sai lá para fora, para o mundo, que se apercebe que é diferente de suas ‘origens’,
ou talvez do que a sua família espera dele. De início, esta pessoa vai relutar,
vai gritar: ‘pero mamã, son chinos!’, poderá negar e lutar contra suas
aspirações para se manter fiel a um legado. Contudo, como vocês acham que seria a vida desta
menina, se ela resolver negar que é Chinesa?
Podemos
aprisionar nosso ‘EU’ longe de nossas vontades, mas não podemos fugir delas.
Elas estão em nós. Podemos calá-las por períodos, mas vez por outra, ecoarão por nossos ouvidos. Há ‘Chineses’ tão atormentados por não serem ´Espanhóis’, sentem-se tão envergonhados por desejarem vestir uma
cabeça de dragão em papel marché e
festejar pelas ruas a virada de ano novo pelo calendário Chinês, que sucumbem
em vida. Uns, recorrem mesmo ao suicídio, não vendo opções em como gerir o que
se quer do que se pode.
Mas infelizmente,
como estou convencido, este é mais um dos assuntos que quem entende, é por que
já se resolveu. Quem sabe ser diferente, mas não escolhe nunca ‘separa-se’ de
sua família, sequer entende o que para aqui vai.
E isso
lembra-me o ex-terapeuta de um amigo meu que dizia: ‘As pessoas só mudam depois
que fazem terapia ou sobrevivem a um câncer maligno’.
Uma boa
semana a todos.
Eduardo Divério.