segunda-feira, abril 30, 2012

 

Conselheiros e Aconselhados


Existe um ditado antigo que diz que se conselho fosse bom não se dava, se vendia.  Ando meditabundo sobre isso, lembrando do oceano de conselhos que recebi ao longo da vida e dos mares de outros tantos que dei, e o quê de fato fora feito deles como uso.

Há conselhos universais, que são proferidos de forma genérica e que, talvez, portem mais uma lição, uma moral de fundo, do que propriamente a sugestão do que se fazer.  A cultura chinesa antiga é forrada de exemplos assim, de metáforas e analogias que deixa o ‘consultante’ a sua total mercê de compreensão, interpretação e decisão do que fazer.

Mas quero focar-me nos conselhos de voz ativa, opiniáticos, aqueles baseados na experiência do indivíduo. Tive uma semana densa de conversas com pessoas diferentes, mas com  um ponto em comum, a questão:  ‘o que tu achas disso?’.

‘O que tu achas disso?’ em si, apenas permite a outra pessoa expressar sua opinião sobre o assunto em questão. Os pensamentos que advém daí são baseados nos valores, conceitos e impressões pessoais do elemento questionado. Via-de-regra, deveriam ser bem-vindos pela riqueza de perspectiva, introdução de novos agentes, confronto de valores e elucidação de conceitos. Ou não.

Mas quando o ‘eu acho que isso é assim’ toma uma forma tácita imperativa, por vezes provalecida, de opinião e mascara uma boa e velha ratoeira de comando; o que ocorre quando o conselheiro está tão certo do que está dizendo, sente que conhece tão bem o problema do aconselhado, que acaba por introduzir o elemento indução no seu discurso?

É claro que o poder efetivo deste pensamento está a cargo do receptor, do poder que ele concede, confia, admira, a quem está a escutar.  Eu tenho amigos que são autênticas fortalezas surdas ao que lhes dizem, especialmente quando o dito, não foi de encontro com seus valores e conceitos, sequer dão-se ao trabalho de confrontar as informações. Mas também tenho amigos sensíveis, que confiam nos largos anos a mais de experiência de outro amigo e estes, para mim, são alvos suscetíveis à possíveis  crises a médio-longo prazo, iniciadas ao efetivar uma sugestão.

Há anos, eu era muito categórico em dizer que ‘ouvido de amigo não é penico’ ou seja, alguém vem, faz toda uma ladainha, você põe seu latim em uso e fecha o assunto. Dias depois, a mesma pessoa volta, com a mesma ladainha e você dá-lhe seu latim novamente. Lá pelas tantas a desgraçada da pessoa retorna no mesmo ponto, feito um disco de vinil quebrado!(A versão antiga do CD arranhado, para os mais novos). 
Gente, eu sou o primeiro a defender que quanto mais falamos de um assunto, mais o quebramos e mais perto de entrar em paz com ele ficamos. Mas o assunto, mesmo que falado 300 vezes, deve ir perdendo intensidade. Quando temos alguém que por 300 vezes mantém a intensidade da questão, esta pessoa não quer entrar em paz com nada e só quer atenção! Isso é frustrante demais para quem dá o ouvido e então aqui é importante você reconhecer o tipo de ouvinte.

Uma criança olha para um balde e lista umas dez coisas úteis que pode fazer com ele, mas um adulto tem condições de listar pelo menos trinta. Cada idade tem seu limite de compreensão. Não adianta um indivíduo de quarenta anos dizer para um de vinte que ele está colocando fora uma oportunidade de ouro se esta oportunidade, no coração dele, no conhecimento dele, não reluz dourado. E digo mais, quando este alcançar os quarenta anos de idade, poderá até lembrar que teve a oportunidade, que hoje lhe seria útil, mas remorso não sentirá, pois não houve perda verdadeira, senão filosófica.

Um indivíduo só vê através de uma janela a 1,5m do chão, quando ele já cresceu mais de 1,5m em altura. Estou convencido que poucas pessoas aceitariam a sugestão de subir num banquinho e não há garantias que aquelas pessoas que aceitaram, vão compreender o que está lá fora. De facto, convém o indivíduo concluir sozinho, pela sua curiosidade, dando-se permissão, que quer achar forma de se pôr mais alto, assumindo a inteira responsabilidade deste acto.

O conselheiro que dá respostas, soluções, disfarçadas de sugestões, é perigoso quando o perfil do aconselhado é do gênero suscetível.  Essa situação é o mesmo que mandar uma criança de 10 anos tomar conta do seu irmão de 6. Crianças não tomam conta de crianças, ponto. É errado, é forçado, é irresponsável! Tomar conta de uma criança requer a compreensão que só um adulto tem e nunca nenhuma outra criança. 
Por isso conduzir alguém por um caminho que, alegadamente, filosoficamente,  é saudável e correto, pode causar o mesmo tipo de transtorno de comportamento, angústia e infelicidade, que uma criança de 10 anos sofre ao ser responsabilizada por uma de 6. É uma questão de estrutura, de arquitetura orgânica!

Então, acredito que  como conselheiro, convém:
Não ‘gastar’ seu latim com quem só quer atenção... dê-lhe antes, e apenas, um ouvido.  Se você é o tipo de pessoa que acha que o uso ‘do seu ouvido’  dá-lhe o direito imediato ao uso  ‘da sua boca’, mais vale ser honesto com esta pessoa e sugerir que ela procure outro...  ouvido.
Não se sinta desvalorizado pelo seu amigo não parecer usufruir de sua experiência. Primeiro que pode ser algo muito pessoal, uma breve confusão, e depois que ele pode apenas estar despreparado para esta ‘batalha’.
Não importa o quão sábio e iluminado você seja. Uma pessoa só enxerga algo quando lhe é hora para isso, quando tem condições para isso. Ver as pessoas que amamos a se ‘perderem’ ou a perder coisas é algo que só podemos lamentar.
Por fim e em resumo, em caso de ‘incêndio’ na casa do vizinho, não apoie a pessoa a ‘apagar o fogo’ ou ‘a pôr mais lenha nele’. Ajude-a antes a entender o que ela quer fazer com o fogo, o que significa aquele fogo. Talvez para você, ligar para o 991 seria o mais acertado, mas para ela, talvez lhe convenha ligar mais tarde para seguradora...

Como aconselhado, eu entendo que:
Procure pessoas que lhe ensinam a pescar e não que lhe dão o peixe. Se você sente que precisa do ‘peixe’, não serão conselhos que te darão suporte na vida. Sua estrutura necessita revisão, procure um profissional.

Absorva conhecimento, confronte suas ideias e ideais, questione suas certezas. Primeiro, foi a sua administração que lhe encaminhou até o ‘problema’, logo, é claro e óbvio que você está necessitando rever alguma coisa! Toda a confusão interna é um reflexo de conflito entre o que se quer e o que você se permite.

Esteja atento ao excesso de confiança no conselheiro.  A resposta do que você quer está no seu coração. Mas CUIDADO para não confundir prudência com covardia. Lembre-se que para aprender a nadar, você teve que primeiro entrar na água, sem saber nadar...

Aconselho-vos a tentarem ter uma excelente semana.  

Eduardo Divério.

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