domingo, abril 15, 2012
‘Mind the Gap’
Minha
maravilhosa progenitora nasceu em 1940. Filha de ferroviário, e a mais velha
de mais outras três irmãs, ela recebeu uma educação rígida, restrita, quando os
valores e as virtudes de uma moça eram medidos pelos seus gestos, sua postura e
comportamento. Minha avó era cerca de
vinte anos mais velha do que ela.
Durante
décadas, o gap que marcava a mudança
de uma geração esteve em torno de vinte anos.
Mas já sabemos que houve aí uma evolução, que as pessoas passaram a se
casar mais tarde e a terem filhos mais tarde também e agora, o novo número
apontado começa a ser os trinta anos.
Meus pais
não foram jovens ‘rebeldes’ e seguiram letra por letra a cartilha, o que
acarretou em terem nos educado, a mim e meus irmãos, ainda numa série de moldes mais antigos, old fashion. Com isso quero
dizer que a ausência dos ‘sabores e conquistas’
da alucinada década de sessenta, na juventude deles, seguiu numa hereditariedade implícita na
minha educação, o que contribui para que eu não acordasse para a ‘geração coca
cola’ por curiosidade ou atração, mas sim, pelo barulho, pela sacudida que os anos
oitenta trariam ao mundo.
Estas
marcas, estes processos mudos, estas formas psicológicas de ‘vida parasita
microscópicas’ residem em nós, em todos nós, e dependendo da combinação de nossa
sensibilidade versos a exposição ao meio corrente, vamos moldando nossa personalidade.
Pensar que,
apesar da indústria do plástico já ter feito imensa diferença, eu ainda
brinquei e joguei os mesmos brinquedos e jogos que meus pais, quando eles eram
crianças, mas que meus ‘filhos’ precisam de baterias para quase todas as suas
brincadeiras e jogos, é estarrecedor.
Mas meu
choque aqui não vai em direção às novas gerações ou mesmo coaduna com as críticas
negativas e saudosistas do que fora. Sou um evolucionista, um corpo orgânico
que segue migrando para o futuro tentando se adaptar, tentando se manter
atualizado e o principal, tentando relacionar com gente, nos seus mais variados
gaps de gerações.
Meu avô
dizia que rock ‘n roll era música de 'cabeludo' e minha mãe quase pariu um urso quando em 1985, eu quis sair na rua
com gel no cabelo – New Wave da Wellathon. Sempre houve choques, sempre houve
resistência, mas render-se, é condenar-se ao desajuste.
Vivemos
numa sociedade onde os carteiros praticamente só entregam papéis relacionados
com finanças e cartões de felicitações. Em segundos, colocamos nossas famílias
a par das novidades, qualquer novidade. Estamos ligados ao mundo e às pessoas
pelos nossos smart phones ou pelo
menos pelos nossos laptops e a tecnologia
disponível que nos suporta expande de forma progressiva.
Eu continuo
valorizando os mais de vinte anos que passei a estudar e nego-me a escrever
como falamos num botequim. Contudo, que
outra alternativa tenho, senão aprender e acompanhar esta pseudo língua que se
tem usado pelos chats? Tanto em
Português como em Inglês?
Minha ideia
aqui é salientar a relatividade dos pesos que as pessoas associam aos mesmos
pontos em questão. As vezes, sinto-me
cansado, olho para trás e já não lembro com facilidade de onde vim e de como
fiz as coisas. Contudo, a sensação do cansaço fala por si, pois revela
desgaste, uma fortitude constante em manter o passo. É como se o mundo mudasse
e ainda mantivéssemos em nós as sensações das nossas duas primeiras décadas de
vida.
Talvez a
forma mais clara de exemplificar isso, seja o fato de ter passado praticamente
trinta anos desviando de muita socialização, de conhecer gente nova só por
conhecer, numa festa por exemplo, de forma que pudesse evitar as conversas
curiosas que devido às respostas, obviamente descreveriam meu padrão de vida e
entregaria de bandeja a minha sexualidade.
Contudo,
hoje, apesar de legalmente casado, de sair à rua e encontrar casais de homens e
mulheres de mãos dadas, manifestando fisicamente seu carinho um pelo outro, sem
que ninguém à volta se importe muito, ainda não me sinto à vontade. E isso é
uma perda para mim, é eu não conseguir aproveitar o momento da nossa evolução
onde isso tornou-se possível. Tudo o que
aprendi, ainda existe na forma de uma âncora na minha psique e quem tem vinte
anos hoje, sequer sonha o que a minha geração passou para coexistir em
sociedade.
As
‘facilidades’, as mudanças com que as novas gerações vivem, interagem conosco e
tudo isso gera angústia, pressão, uma sensação de deslocamento que facilmente
une-se, adiciona-se aos nossos medos e receios, nas neurotizações triviais de
um dia-a-dia, dando-lhes mais força e mais peso do que na verdade têm.
É preciso
observar o mundo Hoje, pela lente do presente, e se permitir rever conceitos,
re-julgar situações, aproveitar as aberturas das novas épocas e não se deixar
intimidar pela nossa idade. Nem pela de ninguém. Estamos vivos enquanto respiramos e como tal,
ainda, e sempre, responsáveis por como queremos viver mais um dia em que
acordamos para ele.
Lembrem-se sempre que os negros já foram
escravos e que as mulheres não tinham direito ao voto. Agora quantifiquem o tempo que isso levou para mudar e
apliquem este dinamismo na proporção diminuída em sua vida. Isso dará o entendimento do
movimento dos conceitos, de como eles, imutavelmente, mudam sempre.
É preciso
entender estes fluxos e é preciso nos amigar com eles.
Por isso
reciclar é importante. Situar-se no Tempo é importante. Por isso permitir-se é
importante. Pode causar confronto interno, mas integração ainda é a chave do
segredo da felicidade. Social e pessoal.
Uma
excelente semana para todos com beijos digitais.
Eduardo
Divério.