segunda-feira, maio 07, 2012
Idade Média Recorrente
De uma
forma geral, a Idade Média foi o período da nossa história com maiores
ocorrências sinistras, com crenças espirituais e religiosas de profundo domínio
sobre as sociedades e com eventos marcantes, que ainda existem como permanentes
marca-páginas temporais, sinalizando feridas e chagas, cicatrizes que marcaram
o curso comportamental da humanidade.
Contudo,
apesar de facilmente termos acessos a estas páginas da História, parece que
também facilmente ignoramos os contextos pisco-filosófico-sociais em que estes
fatos estavam inseridos e de alguma, confortante, conveniente forma, não fazemos
comparações e nem relacionamos estas lições ‘aprendidas’ com o nosso atual
curso contemporâneo.
Por aqueles
tempos, vivia-se uma constante insegurança, de vida mesmo. Se pegarmos uma
Inglaterra como referência, as vilas e povoados espalhados por toda a ilha,
estavam sob constante ameaça de invasões tribais ou mesmo estrangeiras, disputa por domínios ou mesmo mero roubo, e ainda
pagavam altos impostos aos seus governantes, vivendo praticamente em miséria.
Importante
lembrar também que falamos de uma época onde não se sabia o que eram
micro-organismos e que os maus hábitos de higiene podiam causar sérios danos à
saúde. As cidades tinham suas ruas cobertas de restos de comida putrefata e
restos escatológicos humanos. Falamos de uma época em que um corte ao fazer a
barba podia gerar uma infecção fatal.
Mas
acreditava-se que as doenças transmitiam-se por possessão, ou seja, uma pessoa
doente ficava curada se passasse sua doença para outro. Devido esta crença,
surgiram as mais diversas formas de tentativa de se livrar das mesmas. Pequenos
animais eram postos em contato com as feridas e abatidos depois, na esperança
que com eles 'morresse' a doença; amputavam a mão de um recente defunto humano e a
passavam-na sobre a peste, enterrando-a junto com seu corpo logo a seguir, de
forma à doença ser levada pela morte ou, passava-se um objeto qualquer sobre a anomalia
e o atirava longe na rua, como se fosse algo perdido, assim quem o achasse, receberia
a doença que automaticamente abandonaria o verdadeiro dono de tal objeto.
Mas quando
a doença não causava irritações de pele, ou feridas purulentas, quando elas
tinham um caráter estranho que fazia as pessoas desmaiarem ou terem convulsões,
a causa era associada a possessão por maus espíritos ou demônios. Totalmente
desavisados dos efeitos de um tumor no cérebro, do que era uma queda de pressão
ou um ataque epilético, a cura, que muito frequentemente causava a morte por
infecção, era fazer um corte no escalpo da pessoa e literalmente abrir um
buraco no crânio, de forma que o mau espirito por ali escapasse.
Em 1665,
quando a segunda vaga de peste negra abateu a Inglaterra, as pessoas estavam convencidas
que maus espíritos e demônios faziam os produtos orgânicos alimentícios apodrecerem
e que o seu mau cheiro era a razão da doença. Nos contos de Thomas Hearne, ele
relata como as casas eram defumadas com folhas de tabaco e outras ervas de mais
ameno aroma. Peças de roupas eram encharcadas em vinagre e estendidas dentro
das casas de forma a purificar o ar e as pessoas que praticam estes métodos,
andavam cobertas por túnicas de couro, com um capuz sustentando uma projeção horizontal na
altura do nariz, como se fosse o bico de uma ave. Dentro dele, eram depositados
rosmarinho, funcho e erva doce, de forma que o ‘curandeiro’ não sentisse os
maus cheiros à volta, logo, não contraísse a doença.
E claro,
ainda nesta época, doenças venéreas como gonorreia, eram um castigo divino à corrupção da alma. O
tratamento consistia na pessoa isolar-se numa cela e autoflagelar-se até que
sua dor fosse reconhecia pelo Senhor como arrependimento e então, talvez, lhe
seria concedida a cura.
Imagine-se
a viver numa época onde a comida era escassa, onde se ignorava os
conhecimentos mais básicos de medicina, química, física e saúde. Imaginem um
tempo onde sua vida ou tudo o que você possui, está sempre sob a ameaça de perda,
que alguém mais forte lhe roube, que um espírito possa lhe possuir ou que
ainda, possa contrair uma doença por um mau odor no ar.
Não vou
fazer referência comparativa às crenças ou aos métodos de curas semelhantes que ainda hoje
se praticam pela Ásia e hemisfério sul de forma geral. Mas acho que cabe fazer
uma referência ao poder da crença em si. De qualquer crença; religiosa,
filosófica ou mesma científica. Da forma como, em termos de comportamento,
reagimos e sucumbimos ao seu poder, a sua sugestão.
O
desconhecido, a falta de certeza, a falta de experiência com algo novo, atraí o
ser humano a se pôr de imediato numa posição defensiva, ao mesmo tempo em que ainda
também busca uma proteção, divina ou espiritual, para tal ameaça. Uma faceta em
nós que de forma comum ignoramos, ou melhor, desconhecemos. Dá origem a preconceitos, à fundamentação reacionária
que aumenta o gap entre gerações e
gera angústia e desconforto à minorias.
Não devería,
mais, nos ser desconhecido o como lidamos com o desconhecido. Deveríamos, já, dominar mais, de forma comum,
nossos medos e limitações mas infelizmente o que parece-me comum é, por crenças
e religiões, manterem as pessoas retardadamente presas a pré-conceitos, a
fantasiosas promessas e profecias, lançando as pessoas numa constante Idade
Média mental de se viver.
Fui abatido
por uma profunda tristeza agora, desânimo talvez... Tudo poderia ser tão
mais... evoluído?
Uma boa
semana a todos.
Eduardo
Divério.