sábado, maio 19, 2012
A Natureza Humana de um Amigo
Minha mãe
dizia que amigos são os dentes e que mesmo assim, vez por outra, eles mordem.
Já eu sempre senti-me aliciado pelo
simples fato de amigos, ao contrário de família, poderem ser escolhidos e ‘desescolhidos’.
Em 2010 eu escrevi,
neste blog, algo sobre a amizade. Todos sabem da importância de uma amizade, de
se ter amigos. Contudo, sabemos que nem tudo é um mar de rosas e o que me chama
a atenção, na verdade, em muitos casos a minha volta, é a densidade, a
profundidade orgânica em que por vezes as pessoas se relacionam e se perdem
umas das outras. E isso, numa relação onde não se divide a mesma cama e nem há
troca de fluídos, é no mínimo... curioso.
Acho que
existe uma tendência ingênua, pueril ou até romântica, de se procurar um
extremo conforto, uma confiança cega talvez, naquele ou naqueles mais próximos,
aqueles a quem mais facilmente nos referiríamos como melhores amigos. Não só, o
dito ‘amigo’ parece ter um sinistro predicado onde se espera uma pessoa de alta
virtuosidade, sapiência, paciência extraterrestre e rígida moral! Ou seja, um
ser perfeito!
Mas um amigo não é uma entidade mitológica, dotada
de energia Zen que viva de um sistema de autocombustão como o sol! Com
constituições normais, eles são elementos compostos por 206 ossos, músculos,
sistemas e aparelhos vitais e uma psique que lida com um historial único, com
metas individuais e filosofias próprias no gerenciamento do seu próprio viver.
Exatamente
por causa do conforto, da confiança e, ouso dizer, principalmente do amor,
inevitavelmente desenvolver-se-ão processos de transferência, projeção,
sublimação e até negação nestas relações e na nossa cultura comum, não nos é
habitual prestar atenção a esses processos. Aliás, na nossa cultura social
atual, questiono-me, quantas pessoas sabem o que é transferência ou projeção e
ou como funcionam.
Estou certo
que você, lendo este texto agora, tem uma mágoa, um ressentimento, enfim, uma
história finalizada, ou em suspenso, com algum amigo devido à traição,
incompreensão, negligência ou abuso. Mas onde estão as réguas que nos ajudam a
medir os níveis das verdadeiras responsabilidades durante um desacordo
relacional entre amigos?
Imagine
duas melhores amigas (eu não curto muito este conceito de ‘melhor amigo’, mas é
comum) onde uma quer muito engravidar e não consegue e a outra, devotada a
carreira profissional, está na iminência de fazer um aborto, uma vez que uma
criança não está nos seus planos.
Como alguém
que quer muito gerar uma vida, consegue se envolver em algo onde lhe é esperado
protagonizar o papel de apoio a um processo onde se põe fim a uma? Dar suporte
a alguém que ainda por cima sabe o quanto esta amiga quer ser mãe?
Criamos ou
iniciamos processos, mudanças em nossas vidas, que imperceptivelmente
desencadeiam processos de questionamento em nossos amigos, o exigir de um
readaptar-se a uma nova realidade e isso expõem-lhes as suas próprias neuroses, medos, e muitas vezes, o impacto é tamanho, que eles precisam de
suas totais energias para garantirem que suas próprias estruturas não venham a
ruir. Logo, demonstram-se menos disponíveis para desempenhar o papel de amigo.
Outro
exemplo disso seria quando um grupo tem que lidar com a separação de um casal
que lhes era referência em termos de durabilidade e até modelo de relação. As
opiniões dividem-se, surgem mil teorias para salvar a relação, listam as razões
do fracasso e exploram as fraquezas das pessoas envolvidas quando apenas o
casal sabe o porquê da ruptura.
Mas existe
ainda outras situações; a vida de ninguém pára porque nós estamos enfrentando
problemas e na verdade, muitas, muitas vezes, nossos amigos também estão enredados
com seus próprios dilemas, presos por decisões a tomar, ou simplesmente casados
de alguma rotina desgastante que há muito vivem e também não têm como, ou de
onde tirar energia, para dar suporte.
No terceiro
milênio, existe uma má tendência, egodistônica, em acharmos que nossos
problemas são a prioridade da vida. De fato são, mas na nossa vida! Contudo,
nossa vida, está integrada num plano maior, com outras vidas, família, amigos,
colegas e estranhos e mais os problemas ecológicos, mais a fome pelo mundo, a
tirania...
Com isso eu
quero dizer que temos uma tendência a voltar nossos olhos para nossa dor de uma
forma como se tudo à volta pudesse esperar enquanto nos recuperamos.
Apenas cada
indivíduo sabe o quanto lhe custa sair da cama de manhã e iniciar seu dia.
Muito
facilmente listamos argumentos de profunda lógica, muito bem fundamentados,
concebidos com o apoio dos mais antigos conceitos de comportamento social e
deveres de amigos, sem nos lembrar que viver tem um custo para todos e que é
uma ousadia muito feia medir a ajuda recebida.
Não é
difícil avaliarmos quem convive conosco. Facilmente sabemos com que podemos
contar e com quem não devemos esperar poder contar. Nossos verdadeiros amigos revelam-se por
inúmeras situações, mas estejam certos e prontos que: eventualmente, irão ‘nos
deixar na mão’! Tanto quanto, eventualmente, o retorno deles a nossa vida fazer-se-á
repleto de satisfação.
Nossa dor
atinge uma frequência que apenas nosso cérebro codifica.
Todos à
volta estão lutando para serem felizes, enfrentando seus problemas. Como você.
Eu dedico
este texto a todos os meus amigos a quem a minha dor cegou-me ao risco de perdê-los.
Obrigado por ainda estarem na minha vida!
Uma boa
semana a todos.
Eduardo
Divério.