domingo, maio 23, 2021
Linxamento Digital
Eu faço parte de
uma grupo no Facebook chamado “LGBTQI + Resistência pela Democracia!”. Há
tempos que eu já venho observando algo que devido à frequencia com que ocorre, fez-me concluir
e acreditar que o grupo havia sido “infiltrado” por elementos anti-LGBTQI. Mas honestamente, todas
as vezes que me ocorreu de comentar sobre isso num suspeito posting, sobre sua natureza no mínimo ambígua, eu desitia. Com total falta de evidências,
sentia que não teria argumentos claros e que não interessaria a ninguém.
Depois, porque a “invasão” é uma realidade constante e não há muito o que se
possa fazer para impedi-la. O usuário do grupo é que precisa ter uma mente crítica e um olhar esperto.
Como as regras de moderação não são claras, se existentes, qualquer membro pode postar o que quiser.
Os postings podem ter tido origem nas mais diversas fontes, porém são publicados nesse
grupo com o intuído de alertar, demonstrar e até discutir algum tema ou
situação. É, sem dúvida, um grupo de extrema utilidade. Contudo, o infiltrado, é mestre em atuar como um lobo em pele de
cordeiro.
O elemento vai lá e posta um
vídeo ao qual ele dá a descrição tão simples quanto “esse absurdo
tem que acabar”. Ai o vídeo em questão mostra indivíduos claramente de esquerda
numa manifestção onde os ânimos se alteram num enfrentamento entre manifestantes
e seguranças locais que tentam impedir a manifestação. Em deccorrência
do confronto, alguns danos locais são causados e eis então que
chega a brigada militar metendo bala de borracha e lançando gás nos
manifestantes, terminando e disperçando assim com o agrupamento.
Numa primeira
instância, considerando a natureza política do grupo, a descrição dada ao vídeo parece
ressonar adequadamente com o tipo de tratamento que os manifestantes receberam
da brigada militar, ou seja, esse exagero é um absurdo e deve parar. Mas
inegavelmente, a descrição é potencialmente ambígua e se mudarmos a nossa base
epstemológica, podemos também entender que o vídeo sugere que o que precisa
acabar, na verdade, são as manifestações esquerdistas em si! Esta é a mensagem subliminar, o aviso que o manifestante de esquerda merece e vai ter porrada! O vídeo reinforça a
ideia que o controle militar faz-se necessário para se manter uma suposta ordem,
ao mesmo tempo que estimula a insegurança e o medo de forma não consciente nas
pessoas em relação à participarem de manifestções, sassilentanto os riscos de
um eventual embate com quem tem claramente mais poder bélico.
Notem que desconhecemos a intenção da pessoa que fez o vídeo. Ela pode ser um repórter neutro que estava simplesmente no local certo e na horal certa e regsitrou um evento. Ela pode ser uma pessoa de esquerda que sentiu que a cobra ia fumar e resolveu registrar o evento para mais tarde mostrar a excessiva violência usada (uma vez ser comum) ou ainda, ela pode ser de direita e quis regsitrar o que ela acha que deveria sempre acontecer quando um bando de "comunista" se junta. Logo, a natureza do vídeo em si é ambíbua e suas interpretações tem válidos propósitos.
Bem, o grupo vinha
cobrindo com tenacidade o desenvolvimento da investigação de uma série de
assissinatos em Curitiba que involviam jovens homossexuais que usavam apps de
encontros. Estes crimes já haviam sido interligados e atribuídos à crimes em
série. Durantes dias, os mais variados tipos de mensagens sobre este assunto foram
publicados no grupo. Mensagens informativas, apelativas, enfim, o assunto
parecia ter sido bem explorado em termos de alerta, perido e possível homofobia. Para se ter uma ideia do nível da cobertura,
lembrem-se que estou na Inglaterra, que só olho a minha time line umas duas ou
três vezes por dia, mas que mesmo assim, eu estava bem à par do caso todo em
Curitiba e da quantidade de vezes que o grupo deu-lhe cobertura. Aí, um membro do grupo resolve postar uma matéria com o nome e a foto
do suspeito que apesar de ter sido fornecidos pela polícia, podia ter sido escrita por uma
pessoa anti-LGBTQI. A manchete da tal matéria dizia algo como: “Foi identificado
o suspeito que usava app de encontros e matou três jovens homossexuais”.
Aí, eu li aquilo
(com esta ideia de infiltrados latente na cabeça e que o assunto tem sido bem exposto) e uma avalanche intuitiva de pensamentos
tomaram à força o controle do meu lóbulo-frontal do cérebro e uma série de
alertas amarelos começaram a piscar na minha mente. Porra, tem sido pauta da
comunidade LGBTQ, nos últimos 30 anos, tentar quebrar essa ideia esteriotipada que
todo gay é um tarado sexual promíscuo. A tal manchete, profunda como um pires, evidencia
exatamente um comportamento promíscuo que por sua vez, pôs as vida desses
rapazes em risco, o que sugere, às mentes mais restritas, que “eles estavam
pedindo”, que é o que se diz das meninas estupradas que vestem mini-saia.
De seguida
ocorreu-me uma série de outras manchetes alternativas que poderiam ser mais úteis,
que potencialmente provocariam um efeito reflexívo em quem lesse, como por exemplo: “Polícia
identifica supeito de assassinatos em série que usava app de encontros”. Esta opção é efetiva e neutra, e convida todo o tipo de pessoa a ler a
reportagem onde então estariam os detalhes que ligam os assassinatos à
comuninade LGBTQ. Ainda: “Comunidade LGBTQ volta a viver com insegurança – identificada
a identidade do suspeito de assassiatos em série em Curitiba”. Note que a
colocação do verbo “voltar” dá a imediata idéia de histórico de sofrimento, de abuso, e ainda, a mensagem redireciona o foco dos crimes, que são rapazes gays, para qualquer membro LGBTQ, o que dá um senso de unidade à comunidade que são as coisas que se precisa reinforçar numa sociedade homofóbica. Bem,
por fim, pilhado com a leviandade a qual meu cérebro focou-se, ainda concluí que aquela manchete
era uma “sobremesa” para um grupo de extrema direita ou mesmo religioso. Isso
então fez-me pensar que aquela manchete, no nosso grupo, para o nosso grupo, depois
de toda a merda que temos comido, não fazia sentido e que precisávamos ser mais
atentos com o como falavam de nós!
Aí, completamente
enxarcado em adrenalida e pronto para dar uma palestra no TED se fosse preciso,
eu vou lá e escrevo: “Só não entendo por que a frase não acabou no jovens”. Aí
meus amigos, começaram as reações e o mau-cheiro só foi subindo e tomando conta.
O primeiro comentáro foi super tranquilo e uma vez que, numa caixa de cometário
não cabe introdução, desenvolvimento, reflexão epstemológica e conclusão, veio
lá uma boa-alma que escolheu acreditar que eu era um nabo, ele era educado entretanto, e começou a explicar-me sobre as abelhas e as
flores. Na tentiva de não parecer condesendente com ele como eu senti que ele parecia
comigo (apesar do meu comentário poder ter sido traquilamente escrito por um Troll,
é verdade!) eu respondi de volta tentando indicar o meu background nas
entrelinhas e foi aí que eu me atolei na merda até o pescoço!
Gente, todos os tipos
de personalidades já sugeridas na história da psicologia contemporânea, mais
algumas que aparentemente desconhecemos, manifestaram-se em sentenças curtas,
algumas até difíceis de se interpretar, com foco seletivo em apenas parte do
que tinha escrito e quando eu vi, tinha gente discurssando sobre o desserviço
que eu fazia contra a homofobia e tinha gente dizendo que eu devia me informar
melhor, pois haviam evidências forênsicas que levavam à identificação do supeito
e tal e coisa... As mensagens multiplicavam-se verticalmente, vertinosamente e desordenadamente, mas de tal forma que eu já não sabia a qual comentário aquela resposta dizia respeito
e no meio disso tudo, ainda tinha um povo me xingando, mas assim, xingamento profis,
gente que tu notas que se dedica a como escrever um monte sem dizer
rigorosamente nada, mas ofendendo como gente grande. Meus diplomas chegaram a dar
uma despencada na parede a cada adjetivo agressivo que me davam, a cada
predicado chulo o qual me era atribuido. Mas foi uma avalanche de baixaria, uma
bagunça, como se o infiltardo da história fosse eu! Tem um comentário que eu lembro bem,
começava assim: “Meu querido amigo ignorante”, gente, pelos pensamentos de Darwin, eu
poderia escrever uma dissertação de 1500 palavras só à partir da combinação destas
quatro palavras e da motivação a suas escolhas!
Enfim, precisei
fazer turn-off das notificações para poder voltar a ter controle do meu dia, mas
estava todo cagado e esfolado! Porque assim, a pessoa é estudada mas não é pecilotérmica,
né? Minha pressão foi a 15, parecia que quanto mais eu tentava explicar
ou extender os comentários, mais gasolina eu jogava no fogo. Sabe aquela galera
que fica à volta de uma briga e parece que entra em transe e sem saber
exatamente quem está apanhando e porque, eles querem é ver porrada? Era isso, era tanta gente a escrever tanta coisas disassociada, numa
mutilação constante e generalizada da lìngua Portuguesa que... Barbaridade! Foi uma chacina!
E é isso. Vou conter-me em comentar ou analisar qualquer outra característica ou efeito deste
evento, pois afinal, o importante já foi dito e não importa o que eu escreva, a
interpretação será de quem lê.
Uma boa semana
para todos.
domingo, janeiro 17, 2021
Dívida histórica para dummies.
De forma
sussinta, pessoa jurídica é uma entidade formada por indivíduos e reconhecida
pelo Estado como detentora de direitos e deveres, ou seja, uma empresa. Tem CPF
próprio, conta bancária, um corpo físico como prédios ou outras locações, financia
eventos e projectos, mas sua gestão é feita por pessoas físicas que compõe a
admnistração mas e que são na vaerdade, empregados desta mesma empresa.
Em 1993 uma grande
e poderosa empresa Americana na Califórnia foi denunciada pelo mal gerenciamento
do uso e descarte de materias químicos que acabaram por contaminar o solo e as
águas. Em consequência disso, dezenas de famílias naquela área passaram a lidar
com doenças crónicas e mesmo com a morte de entes próximos. Este evento foi
imortalizado pelo cinema no filme Erin Brockovich. A empresa foi condenada pela
a justiça a pagar indemnizações às famílias e a mudar os métodos de uso dos
produtos químicos para garantir a segurança de suas áreas.
Mas quem
exactamente foi responsabilizado? A empresa ou os seus dirigentes? A empresa.
Na verdade, talvez, quem estivesse à frente das decisões como CEO na época do
envenenamento já não fosse mais o mesmo CEO pela altura da decisão da justiça.
Talvez os próprios membros do conselho directivo também não fossem mais os
mesmos. Independente de quais pessoas físicas estavam no comando desta empresa
no momento da sentença judicial, a empresa teve de assumir a responsabiidade sobre as consequências dos
seus actos no passado. Note, o futuro de dezenas de pessoas e mesmo sua
hereditariedade ficou comprometida; foram-lhes tirada a habilidade de levar uma
vida no mesmo curso, com os mesmos recursos, de quem não foi afectado pelo tal envenenamento.
Mas uma
indemnização financeira, a condeção carcerária de um assassino ou um pedido de
desculpas resolvem o assunto em defenitivo e tudo volta ao normal? Claro que
não. Se a pessoa que atropelou e matou seu filho porque estava bêbada ao
volante de um carro for presa e a mando da justiça lhe pagar um milhão de
compensação, ainda assim isso não anula a dor da perda, o trauma diário de ter
que seguir sua vida depois de sentir que a mesma se foi junto com a morte de seu
filho, ainda que no conforto material que um milhão pode prover. O nascer do
sol, o Natal, festas de aniversários, casamentos, nunca mais serão gozados da
mesma forma por este pai, até o dia de sua morte. Porque esta perda e tudo o se
deixou de viver por causa dela, não pode ser compensada ou resgatada. Da mesma forma,
o condutor culpado também, até o dia de sua morte, estará em dívida com este
pai de algo que jamais se reestabelecerá, da mesma forma que a empresa
Californiana terá sempre uma dívida com aqueles que sua má gerencia afectou.
Uma dívida que não pode ser paga pela própria impossibilidade inerente a sua
natureza. Uma dívida histórica.
Então, em termos
práticos; é o século XXI responsável pela escravidão negra no século XVII?
Claro que não, mas da mesma forma que a adminstração no corrente comando da empresa Americana que envenou o
solo (estando eles ou não envolvidos na origem no problema) foi a que teve de
se retratar, também o século XXI. Contudo, sendo o século XXI uma espécie de
pessoa jurídica, cabe ao seus empregados correntes fazê-lo. Por que? Porque a forma como a humanidade era
observada no século XVII causou danos irreversíveis e irrecuperáveis para
diferentes grupos étnicos. Aos Afro-desencendentes, foram atribuídos predicados
e adjetivos que moldaram e deformaram a forma como as futuras gerações os
tratariam. Toda a pessoa de aparência originariamente
Africana hoje, sofreu e ainda sofre pela falta de recursos e habilidades que
lhes foram negados ou retirados por exercício de repetição decorrente dessa
péssima percepção da nossa evolução num ponto da história.
Nenhuma dívida
precreve enquanto ainda existir alguém sendo cobrado pelo débito.
Os Britãnicos de
modo geral têm uma forma empatética e cautelosa de lidar com memórias do
imperialismo e isso passa uma mensagem de respeito, de consciência, de suporte,
de garantia aos seus actuais compatriotas. Quase uma promessa.
Na psicoterapia,
não importa a abordagem escolhida, no fim, fatalmente tudo recaí sobre a irrefutável
necessidade se assurmirmos a nossa responsabilidade no problema, qualquer que
seja ele. Mesmo uma criança dominada por uma mãe, apesar da mãe ser o adulto e
detentora do poder, o adulto outrora crainça precisa se resposanilizar pelas
decisões, conscientes ou não, de ter sucumbido, concordado ou compactuado psicologicamente
à pressão. Onde as abordagens se diferenciam é que algumas acreditam que o
reconhecimento ou o arrependimento da mãe hão de gerar um sentimento de compensação
e quiça, eliminar a impressão do
impossível, do não importa o que se faça perde-se na mesma.
Eduardo Saldanha
Diverio.
quinta-feira, agosto 20, 2015
Impeachment Pessoal
Desde que
deixei o Brasil em 1992, tenho lá retornado para férias de tempos em tempos.
Lembro-me que a década de 90 foi muito difícil, principalmente os anos à volta
ao impeachment do presidente Collor
de Mello. Em lá chegar, encontrava a minha gente num estado de pobreza muito
grande. Os Gaúchos que costumam se vestir de forma elegante durante o inverno,
apresentavam-se com roupas enxovalhadas e desbotadas. Havia processos de
seleção que envolviam testes psicotécnicos seguidos de múltiplas entrevistas
para uma vaga de vendedor de materiais de construção ao balcão de loja. O
comércio representado por lojas abertas desde a minha infância transformara-se
numa realidade desconhecida para mim, até desértica. Mas os anos seguiram e o Real
começou a ganhar reconhecimento internacional como moeda estável, enquanto o
país lentamente distanciava-se dos tempos da ditadura, mergulhados, porém, na
ilusão de ‘ordem e progresso’.
Mais de
vinte anos depois, observo um Brasil dividido e confuso.
É inegável
que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a fazer o mundo a olhar para
o Brasil como um país próspero. As notícias cá fora falavam de recuperação e de
exemplo. Voltar de férias ao Brasil passava-me exatamente esta sensação, pois
eu via que os Brasileiros estavam com uma vida melhor, com mais 'qualidade'. Mas de
repente, com a subida da primeira presidente do sexo feminino ao Planalto,
sucessivos escândalos começaram a vir à tona e hoje, temos uma nação dividida
em inúmeros grupos que, confusos e talvez até mesmo por pura falta de opção, coligam-se
a outros grupos maiores e lá pelas tantas, grupo nenhum representa mais um coeso pensamento coletivo.
Sem
diferença alguma de países como Inglaterra ou Portugal, o Brasil é um país
estruturado sobre um mecanismo tácito de privilégios e favoritismos. Quem
nasceu em famílias mais ricas ou de prestígio social, facilmente consegue
postos de trabalhos e facilidades irreais de empréstimos bancários. E este
padrão repete-se em diferentes escalas e assuntos: quem nasceu caucasiano tem
privilégios sobre os de outras raças, quem nasceu heterossexual tem privilégios
sobre os homossexuais, o sexo masculino tem privilégios sobre o feminino e esta
escala pode ser numerosa. Faz parte, quiçá, de uma inexistente reforma sobre os
valores imperialistas e monárquicos que apesar de hoje estarem mais distantes
de nós do que a própria ditatura, ainda esgueiram-se por as entrelinhas de
nossas conversas, pelo nosso comportamento e pelos nossos silenciosos
pensamentos.
Evidência
disso é a forma como entendemos o que é ‘qualidade de vida’. Realmente, acabou-se aquele dominante desfile
de sucatas em quatro rodas com mais de 20 anos pelas estradas. Há melhores
condições de habitação, de alimentação e os Brasileiros circulam pelo mundo sem
aquele vexame constrangedor de há 20 anos, quando precisávamos de vistos e
garantias para fazermos turismo pela Europa ou Estados Unidos. Acima de tudo, o
povo ganhou poder aquisitivo; e aqui começa a ilusão: Frutos de uma cultura
imperialista e monárquica, o Brasileiro comum contenta-se e alegra-se em listar seus bens matérias.
Ter um carro relativamente novo, uma casa bem decorada, roupas da moda,
equipamentos de última geração e muito estilo (e isso abrange todo o espectro
possível do conceito) é definitivamente satisfatório, necessário. O Brasileiro
comum ainda vive da imagem, do exibir das posses para garantir um pseudo-lugar na
sociedade. Pelos últimos 20 anos, a língua falada e escrita degenerou-se ao
ponto das pessoas não saberem mais soletrar palavras continuamente usadas no
nosso dia-a-dia. Mas esta característica não é apenas comum aos vendedores
ambulantes ou moradores de favelas, ela é encontrada entre universitários,
doutores e, vergonhosamente, jornalistas. O país não tem hospitais ou médicos
que cheguem, não tem escolas descentes, mas o povo, como os Romanos há 2000
anos, delira pelo BBB e pelas novelas que só alimentam esta tácita e silenciosa
estrutura imperialista enquanto promovem falcatruas, vinganças e traições.
Eu curto
uma novela. Ainda mais tantos anos longe do Brasil, quando começo a assistir
uma, prendo-me. Como uma boa ficção, o enredo irreal e fantástico que reúne uma
‘fauna’ de personalidades desajustadas entretém-me como qualquer outra estória
de um livro ou de um filme. Mas como um povo que não sabe escrever e não tem
formação pode diferenciar ficção de realidade?
Esta mesma
’vibração’ imperialista que mantém o povo entretido, também mantém-no num
constante estado passivo de espera. O governo que resolva. O governo é quem
manda. O governo é que decide. Alguém reconhece algum traço de democracia neste
tipo de latência? Saberá o povo o que é democracia?
Brasileiros,
parem de esperar que um sistema corrupto poderosíssimo possa mudar assim, sem
fundamento, sem estrutura e da noite para o dia. A única coisa que pode mudar
isso é cada um de nós exercer um papel social mais ativo onde cada um de
nós pode primar por qualidade. Eduquem
seus filhos em casa e sirvam de exemplo e aos poucos os ordinários no Planalto
hão-de ser substituídos. Estudem mais, corrijam-se mais, defendam seus direitos
de forma íntegra. Zele pelo direito dos outros, respeito o espaço dos outros.
Você que é enfermeira, médico, professor, psicólogo, socióloga, empenhe-se pelo
juramento feito a sua profissão e não pela suposta qualidade que retorna como
fruto de seu trabalho. Seu conceito de qualidade tem estado deturpado ou no
mínimo incompleto. Assumir este comportamento íntegro, esta atitude valorosa,
vale muito mais do que bater panelas e assoprar apitos enquanto se ofendem
pessoas que na devida escala, não são diferentes de vocês.
Eu vivo
assim? Sim, vivo. Esforço-me para isso. Sinto-me um embaixador da cultura Brasileira
no exterior e para contradizer a imagem de vagabundo,
ignorante e mau caráter que temos aqui fora, só tenho como recurso o meu comportamento, a linguagem que
uso e o conhecimento que expresso. E sequer tenho filhos para dar exemplo...
Quer um
Brasil melhor? Comece já por construir um.
Uma boa
semana para todos.
Eduardo Divério-Marques
quarta-feira, fevereiro 11, 2015
Redes sociais causam mesmo um mau impacto?
Para todo o
lado que eu me vire, há um comentário, uma reportagem, um posting ou um filminho
no Facebook, evidenciando o quanto as pessoas têm deixado de interagir com
outras com mais proximidade, física e emocional. E é mesmo difícil olhar a
nossa volta e não perceber este efeito, pois que, de fato, as pessoas parecem
dedicar mais atenção aos seus smartphones
do que aos seus amigos, ali, juntos deles.
Contudo, será
este comportamento uma consequência do uso abusivo das redes sociais ou este
uso apenas tornou evidente algo que antes não era notório? Há mais de 20 anos quando
eu mudei para Europa, eu passei a trabalhar em lancherias, servindo mesas. As
manhãs de Sábado sempre me chamaram mais a atenção; casais passavam horas juntos
a uma mesa enquanto simultaneamente faziam seu desjejum e devoram o jornal
semanal. Curiosamente, não se via ou ouvia nenhum tipo de interação entre eles.
Mas isso se repetia noutros dias, com outros tipos de relacionamentos, onde livros,
palavras cruzadas, revistas e por vezes, nada parecia mais interessante do que
a companhia dos demais à mesa.
Eu acredito
que existe a construção muito forte de uma ideia social a qual vende a noção
exagerada que relacionamentos são uma constante
troca, onde uns complementam os outros, e que nesta constante permuta existe
uma compensação, a qual acaba por nos prover um total enriquecimento. Mas isso
também sugere-me ser um bocado claustrofóbico. Eu consigo ver todos os benefícios que advém
disso, como também consigo encontrar material suficiente para argumentos
justificativos ou de cobrança em relação a agendas pessoais.
O ponto
para mim é o seguinte: Há tanta gente presa aos seus smartphones quanto há em bares, discotecas, shoppings centres e
praças que continuam lotadas de gente interagindo umas com as outras. Quem
gosta de festa, gosta de festa e jamais trocaria uma função ao vivo pela
emissão de um show visto numa tela minúscula! Quem curte um bom papo não se aguenta
apenas vivendo pelo WhatsApp! Entretanto, vamos pensar naquelas pessoas que
nunca foram muito populares, naquelas pessoas altamente tímidas, naquelas que iam
ao cinema e voltavam para um livro em casa sem nunca terem tido a oportunidade
de dizer alguém como se sentiam! Para
estes grupos, as redes sociais trouxeram-lhes vida, amigos, ideias,
possibilidades, lições, estímulos e muito mais.
Existe aí
fora uma turma de gente rasa, pseudo intelectuais que apenas enxergam o comum e
que adoram se promover pelo óbvio. É claro que as redes sociais por via da
tecnologia impactaram em nossas vidas, e claro que há prós e contras. Mas andam
por aí a se preocuparem com os grupos que são exatamente aqueles que não
precisam de preocupação! O exagero do uso vem pela própria facilidade, mas isso
não é indicativo de perda de qualidade de vida!
Por outro
lado, para mim isso é apenas mais uma extensão desta onda retrógrada de comportamento
saudosista que anda por aí, onde as pessoas fazem discursos comparativos sobre como
os infantes da década de 80 viviam e ao quê sobreviveram em comparação aos do presente.
Sempre com uma conotação cínica ou irónica, insinuando que o nosso conhecimento
adquirido através de observação e pesquisa não é nada mais do que um mero preciosismo.
Adoram narrar como aquelas crianças transformaram-se em adultos ‘normais’ hoje,
apesar de não terem tido o conforto e as normativas de segurança do presente.
Nós hoje
somos cerca de sete bilhões de pessoas no planeta com uma longa história para
contar. Mas olha só: nós temos laboratórios navegando pelo espaço indo tão
longe como Saturno e ainda pousamos outro num cometa em movimento. Isso é
evidência que o nosso conhecimento pode nos levar a lugares melhores. Esta constante
olhada que se insiste em dar ao passado é um atraso para a sociedade e um
desrespeito com a nossa própria trajetória evolutiva. É o mesmo tipo de princípio
por detrás de outras linhas de pensamentos que castram a liberdade dos seres
humanos, que punem as pessoas que são diferentes e que aprisionam aqueles que ousaram
questionar ou mostrar outros caminhos.
Como
sugestão, tente pensar e refletir mais sobre aquilo que pretende partilhar pelas
redes sociais. Preconceito, ignorância, fundamentalismo e abuso são amigos em
sua própria rede social, estão conectados e conectam assuntos que parecem não
ter relação um com o outro numa primeira instância.
Desejo a
todos uma excelente semana de interações sociais.
Eduardo Divério.
quarta-feira, abril 02, 2014
Humor de graça, sem graça e nem de graça.
Há alguns
meses, tive a oportunidade de ler os resultados de uma pesquisa qualitativa que
fizeram a cerca de como a comunicação social inglesa se posiciona em relação às
doenças mentais. Lembro-me que o jornal The
Independent foi citado por não ter o menor senso de esclarecimento no que toca
este tema, de um ponto de vista clínico, e menos ainda, de como é a vida das
pessoas que, de alguma fora, estão relacionadas com estas doenças. Logo,
escrevem completamente à deriva no senso comum, a alimentar estereótipos de
‘loucura’ e insanidade.
Nas
conclusões da pesquisa, surgiu uma questão de impacto, quiçá apenas sensível:
Por que os pacientes de doenças mentais são menos respeitados do que os
pacientes de cancro na mama?
O cancro da
mama é uma doença relativamente nova e depois, pode afetar sua mãe, sua esposa,
sua irmã ou sua filha! Logo, ele apresenta um carácter indiscutivelmente sério,
penoso, fúnebre e, claro, possível de lhe atingir. Em contrapartida, os famosos
asylums dos séculos XVIII e XIX,
firmaram um longo legado de ‘loucura’. Mas note que, não eram apenas pessoas
que sofriam de alucinações que iam lá parar, mas qualquer uma que desviasse dos
fundamentais valores que sustentavam os padrões de estruturas da sociedade. Por
exemplo, nesta época, uma moça de renomeada família que não quisesse se
casar e ter filhos, só poderia estar louca e mais valia tê-la em tratamento do que
a viver envolta em vergonha e descrédito social.
Contudo, e
para efeito de ilustração, sabemos hoje que doenças mentais vão de esquizofrenia à
depressão e que entre elas, há uma lista de outras tantas. Também há níveis de
sintomatologia diferentes e muitos pacientes seguem com suas atividades
normais, a trabalhar, a estudar, sendo pais, enfim. De qualquer forma, longe do
estereotipo da loucura.
Mas na sociedade
atual, onde pessoas formadas por universidades ainda não sabem exatamente a
diferença entre um psiquiatra e um psicólogo, como são vistos estes elementos?
A verdade é que as pessoas não sabem, mas acabam por dar ouvidos a um sussurro
ou outro, do velho, irresponsável, centenário, e muitas vezes inapto, senso comum
a dizer: São loucas. E pessoas loucas vivem fora da realidade, logo, não há no
quê serem levadas a sério!
O longo e
batido estereotipo da loucura tem um efeito quase empírico em nossas vidas.
Carrega uma série de pequenos outros conceitos e adjetivos anexados a ele que
também lhe atribui um estado de conformidade, ao mesmo tempo em que não nos
suscita uma reavaliação, reforçando o preconceito.
Por puro
preconceito, pura falta de informação, indução, não nos permitimos
compreender e respeitar os significantes predicados e aspectos das doenças
mentais, mesmo com todos os avanços científicos e a nova edição do DSM, como se
faz com o cancro da mama.
Mas então
será por isso que encontramos tantas piadas e anedotas insensíveis, com
conotação à ‘loucura’, e quase nenhuma a brincar com o cancro da mama? Será que
justificamos o como se vive o tal sentido de humor, apenas pela noção do que respeitamos
ou não, por tácita ignorância e conformismo mental?
Se nesta comparação
(cancro da mama versos doença mental) eu substituísse ‘doença mental’ por 'homossexualidade', por exemplo, estou certo que teríamos o mesmo efeito explicado
pelas mesmas razões.
A
homossexualidade tem igualmente uma longa história de rejeição, mais longa
ainda do que as doenças mentais. Tem sido associada à marginalização,
depravação, pecado e aberração. Nos anos 80 e 90, era o evento favorito dos programas
humorísticos populares que exploravam estereótipos, bem como a imagem da mulher
gostosa, mas burra. Ou seja, quando se tem um pré-conceito de um assunto tão
bem divulgado e explorado, sentimo-nos praticamente ilibados em poder dar
continuação há algo que já existe e não só! O conforto é tamanho, que mesmo em
frente à noção que os tempos e a legislação mudaram, recusamo-nos a enxergar
que fazer piadas de ‘loucos’, ‘bichas’, ‘pretos’, ‘ciganos’, ‘gordos’ e
‘amarelos’ deveria nos causar o mesmo mal estar que nos impede de fazer uma
piada sobre o cancro da mama!
A
subjetividade filosófica com que as pessoas querem defender a indelicadeza de
achar divertimento, onde outros encontram luta e desconforto para viver, é esta
sim, a verdadeira piada.
Existe uma
diferença em anos luz, em se criar uma personagem, ainda que estereotipada, e
fazer com ela se torne engraçada, comparado com apenas em querer que lhe ache
graça.
Uma boa
semana para todos.
Eduardo
Divério.
quinta-feira, abril 04, 2013
Mitos Psico-urbanos.
Desde miúdo que eu sempre escutei os mais
diversos comentários, alguns verdadeiramente absurdos, em relação à funcionalidade da psicologia ou mesmo ao trabalho de um psicólogo. Um misto de
preconceito adicionado com incorrecto conhecimento, exponenciado por muito
‘achismo’ (o fenómeno do achar, pensar que, dedução rápida).
Mesmo antes de falar da Psicologia, existe a
grande e comum confusão que muitas pessoas fazem entre ela e a Psiquiatria.
Psicologia é o estudo do comportamento humano, de como o meio impacta contra
nossa sensibilidade, como o compreendemos e vice-versa. Psiquiatria, por sua vez, é
uma especialização da medicina, é orgânica, actuando sobre doenças do cérebro e
de fundo neurológico que, claro, afectam o comportamento.
Nas décadas de 80 e 90, era muito comum
Psiquiatras fazerem pós-graduação em áreas da psicologia e talvez daí tenha
nascido esta grande confusão. Psiquiatras podem prescrever receituário para
medicamentos e psicólogos não.
Seguindo então para a Psicologia temos os
seguintes mitos clássicos:
Todo o psicólogo tem um consultório e atende
pessoas.
Um psicólogo terá estudado psicologia geral, clínica, forense, mas ele não é necessariamente um psicoterapeuta, a não ser que tenha tido
formação para isso. A completa formação de um, tem a ver com a duração de seu
curso, com o tipo do seu curso e o local onde fez. Há profissionais dedicados à
pesquisa e estudos sociais, organizacionais e até de gestão.
Todo o psicoterapeuta é um seguidor de Freud.
A base mais comum encontrada entre os psicoterapeutas é a
psicanálise, de facto desenvolvida por Freud. Contudo, ao longo dos últimos mais de100
anos, diferentes metodologias e técnicas surgiram e algumas não se baseam em
psicanálise.
Existem, por exemplo, Lacanianos, Comportamentalistas, Humanistas,
Gestauterapeutas, terapia Dinâmica e outras mais. Freud foi um admirável e visionário homem que
teve um profundo impacto na história da humanidade, quando suas análises
fizeram-lhe perceber que a saúde do ser humano estava para além do orgânico
tratável pela medicina que se praticava. Terá publicado em 1900 a sua mais
conhecida e controversa obra, ‘A Interpretação dos Sonhos’ (outro pequeno mito,
que psicoterapeutas descodificam sonhos).
Porque a psicologia é dinâmica, pois o ser
humano evolui, muito mudou de lá para cá. Na verdade, existe inúmeras
publicações de estudos laboratoriais de universaidades Americanas e Europeias
que afirmam que ‘A Interpretação dos Sonhos’ de Freud não é verificável e que
conclusivamente, mesmo com toda a tecnologia e conhecimento que temos hoje, ainda
não se sabe o que são os sonhos e para que servem.
Também é de se considerar que Freud terá crescido,
vivido e desenvolvido seu trabalho no coração de uma Europa Vitoriana,
puritana, onde as mulheres tinham uma colocação diferente na sociedade, onde a homossexualidade era crime e Darwin era a celebridade mais mediática da altura. Contudo, a evolução para o
tempo contemporâneo fez o modelo familiar de Freud caducar, expirar. Mais ou
menos como a igreja Católica ser contra o uso da camisinha, do divórcio...
Hoje em dia, apesar de ainda existir
profissionais calcando suas avaliações sobre receitas Freudianas, tem surgido
novos curriculus e novas formações em universidades.
Quem faz terapia é ‘maluquinho’ ou ‘tontinho’.
Este é talvez o maior preconceito associado à
psicoterapia, como se a pessoa sofresse de algum descontrole.
Lidar com dor, perdas e angústias, pode ser
muito traumático e definir ou redefinir todo o nosso comportamento. Quantas
pessoas depois de uma desilusão amorosa, afirmam, juram de pés juntos, que isso
ou aquilo nunca mais voltarão a fazer? Ou seja, por causa de um ‘camelo’, abrem
mão de características, de comportamentos que lhe faziam bem, mas que, por não
ter fucnioanado com um/a, mudam ou abdicam daquilo, privando-se da sorte de a
próxima pessoa ser capaz de reconhecer tais virtudes.
O corpo humano é muito perfeitinho; regenera-se
de cortes e infecções, provoca o desmaio em caso de dor aguda e, entre
enlouquecer ou cometer suicidio, desenvolve processos de negação, sublimação,
perda de memória... Contudo, nestes estados, apesar de seguirmos funcionais, afastamo-nos de
nossa natureza, afastamo-nos daquilo que nos faz felizes e todo nosso futuro
pode passar a estar condenado a ser um barco à deriva.
Mas é de se notar que as linhas mais perto da
psicanálise pura, tratam o indivíduo por ‘paciente’ enquanto as Humanistas
preferem o termo ‘cliente’. Os psicanalistas trabalham com o conceito de ‘cura’
e daí advém a tratarem as pessoas por pacientes ou doentes.
Psicoterapia, de forma geral, qualquer método,
reavalia como nos comportamos frente a isso ou aquilo, mas pela consciência e
valores do hoje. Ou seja, por exemplo, quando eu era criança, minha mãe tinha uma
mala que ganhara de suas colegas de trabalho pela ocasião de seu casamento.
Para mim, era uma mala velha, mas enorme, pois eu e meu irmão mais velho
cabíamos dentro dela confortavelmente. Já adulto, precisando de um ‘baú’ para
começar a armazenar algumas memórias, lembrei-me que seria muito legal se esse
baú fosse aquela mala enorme, decerto em desuso. Porém, para meu espanto,
quando minha mãe tirou-a do fundo de uma arrecadação, eu recusava-me a crer que
fosse a mesma, pois achei-a tão pequena e sequer a cor era a mesma de minhas
lembranças! Ou seja, a lembrança de uma criança seguiu intacta na transformação
para o adulto que ainda vivia certo que a mala era enorme, afinal, apenas aos
olhos de uma criança.
Ou seja, a psicoterapia funciona como uma
peneira pela qual submetemos memórias de sensibilidade, lembranças e
sentimentos, revistos agora sob o ponto de vista do actual adulto.
Psicoterapeutas resolvem seus problemas e dão solução
para suas dificuldades.
Quando escuto isso, chego mesmo a notar a
sinceridade nos olhos da pessoa.
Gente, pasicoteraia é um processo, é uma
jornada individual guiada por um profissional. Este, segue fazendo avaliações
clínicas e detendo-se em entre-linhas, em coisas não ditas de forma activa, em
padrões de comportamento identificados, e quando muito, tem o poder de deter ou
conduzir a pessoa a se focar mais ou menos num determinado ponto. Contudo, a
resolução do mesmo está a total encargo do empenho e comprensão de quem segue a
jornada.
Cada pessoa tem sua religião, seus valores
culturais, ou mesmo apenas familiares, e em terapia ela apenas aprende a
identifica-los, prioriza-los, adequa-los ao seu mundo pela a sensibilidade da
sua idade atual. Não há um ‘certo’ ou um ‘errado’, a pessoa aprende a ser livre
e estar em paz com sua liberdade, qualquer que seja o assunto. Identifica
valores e comportamentos adquiridos no percurso de sua vida que na verdade não
são compatíveis com sua natureza, com aquilo que ela precisa para ser feliz e
ela é quem decide o que fazer com isso tudo.
Bem, espero que isso ajude uns e outros a
compreenderem melhor o assunto ou pelo menos estimulá-los a usarem o google para
saberem mais.
Quem acompanha meu blog sabe que sempre fui um
apoiante de psicoterapia e não conheço investimento melhor para se aplicar a si mesmo do que este.
Uma boa semana para todos.
Eduardo Divério.
domingo, março 17, 2013
‘Tu vai querer ficar com os bilhete, ou não?’
Tão logo eu
ter escrito o título, o Word
sublinhou em verde as palavras: ‘os bilhete’, avisando-me que elas estão em discordância
gramatical. Contudo, sugestão nenhuma fez sobre a má conjugação do verbo ‘ir’
que, escrito na terceira pessoa, está associado também de forma incorreta ao pronome
da segunda pessoa.
Mas se nem
mesmo o Word foi capaz de identificar este erro, teria mesmo alguma relevância,
ou sequer seria justo, fazermos alguma crítica ao povo Brasileiro que parece também
não se importar com tais discordâncias? Vou mais longe; será mesmo o povo Brasileiro
o responsável presente nas origens deste fenómeno?
Se o Brasil
de D. Pedro II era uma terra industrializada, com grupos de pessoas bem
formadas e até com uma boa fama internacional na época, onde foi que o Português,
como língua, começou a se corromper?
Mais de
vinte e um anos de convívio com a estável língua Portuguesa Lusitana, que
afinal em termos de regras gramaticais e conjugações verbais é praticamente a
mesma que estudei ao longo das décadas de setenta e oitenta, deixaram-me com o
ouvido sensível. Porém, basta que eu me reúna novamente com meus patrícios, para
que o plural passe a ser empregue apenas sobre o artigo, mantendo o substantivo
no singular e para que usemos o pronome da segunda pessoa com um verbo conjugado
na terceira. Que raiz será essa?
Olhando
para trás, durante a estrutura social colonialista do Brasil, o ‘vós mecê’, muito
usado, começou a contrair-se para o ‘você’, que até hoje se conjuga com o verbo
na terceira pessoa.
Entretanto,
a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas que dividia as terras do ‘Novo
Mundo’ entre a coroa Espanhola e Portuguesa, já havia sido alterada por outros
acordos e já incorporava a atual zona Sul ao País que mesmo a falar o Português
da corte, ainda mantinha fortes traços gramaticais dos nostros hermanos, nomeadamente o ‘tu’ e o emprego dos clíticos.
Também, o
início do século passado no Brasil, é marcado pela imigração de mais 28 milhões
de Italianos que partiram para lá, atrás de uma vida melhor, de condições de
vida mais adequadas àquelas que conheciam na Europa. Mas isso, num ponto bastante
sensível da história, onde a mão de obra escrava estava a ser substituída por trabalho
pago e então, verdadeiras colónias de imigrantes Europeus formaram-se do
Sudeste ao Sul do país.
Por estar
altura então, excluindo os imigrantes Europeus (Alemães, Italianos, Espanhóis...),
40% da população era de ascendência Africana e com uma educação deveras limitada,
devido à escravatura.
A partir
deste ponto, surge um movimento silencioso e nada intencional, onde tínhamos
cidadãos Afro-brasileiros, Italianos, Alemães e Espanhóis tentando aprender
Português de forma a conseguirem emprego e adaptarem-se o máximo possível à
nova cultura.
Apesar de analfabetos, a população Afro-brasileira,
em relação à língua, tinha apenas a vantagem de conhecer sua fonética, pois que
de resto, todos viviam muito confusos com a estranha divisão de como as regiões
tratavam uma segunda pessoa, pois culturalmente, o ‘você’ não se referia mais a
um terceiro indivíduo e sim, a quem se dirigia o discurso, enquanto que a zona
Sul mantinha o ‘tu’, por força de origens.
Não só; também é de se referir que no Italiano, o
plural das palavras não segue a simples regra da adição da letra ‘s’. Por
exemplo: ‘menino’ é ‘bambino’ mas ‘meninos’ é ‘bambini’,
e aqui sugere-me uma compreensível corrupção
na formação do plural quando eles tentavam falar em Português, somado a
dificuldade de empregar a conjugação correta no verbo de discurso direcionado a
uma segunda pessoa de possível pronome variado.
Quando
ainda hoje existem colónias no Sul do país onde ainda se fala o Italiano e o
Alemão, torna-se fácil, para mim, perceber a tal ‘raiz’ de tamanha conivência
com tanta discordância. O Brasil é um país formado sem a evolução natural de
uma língua própria, que sempre ao defender suas divisas, acabou por conquistar mais
território de língua adversa. Tem sido
um país de presença multicultural no seu desenvolvimento, onde as pessoas
acostumaram-se a ouvir um Português corrompido, e sempre complementado.
Claro que a
combinação dos longos anos de regime ditatoriais por toda a América Latina mais
as grandes explosões demográficas, apenas fizeram por acentuar uma realidade
que, apesar de claramente desgovernada, era apenas um resultado sociocultural.
E assim, com
as ‘mão limpa’ e a alma lavada, espero que tu ‘consiga’ encontrar algo de
interessante nas minhas 'observação’.
Uma boa
semana para todos.
Eduardo
Divério.