segunda-feira, abril 30, 2012

 

Conselheiros e Aconselhados


Existe um ditado antigo que diz que se conselho fosse bom não se dava, se vendia.  Ando meditabundo sobre isso, lembrando do oceano de conselhos que recebi ao longo da vida e dos mares de outros tantos que dei, e o quê de fato fora feito deles como uso.

Há conselhos universais, que são proferidos de forma genérica e que, talvez, portem mais uma lição, uma moral de fundo, do que propriamente a sugestão do que se fazer.  A cultura chinesa antiga é forrada de exemplos assim, de metáforas e analogias que deixa o ‘consultante’ a sua total mercê de compreensão, interpretação e decisão do que fazer.

Mas quero focar-me nos conselhos de voz ativa, opiniáticos, aqueles baseados na experiência do indivíduo. Tive uma semana densa de conversas com pessoas diferentes, mas com  um ponto em comum, a questão:  ‘o que tu achas disso?’.

‘O que tu achas disso?’ em si, apenas permite a outra pessoa expressar sua opinião sobre o assunto em questão. Os pensamentos que advém daí são baseados nos valores, conceitos e impressões pessoais do elemento questionado. Via-de-regra, deveriam ser bem-vindos pela riqueza de perspectiva, introdução de novos agentes, confronto de valores e elucidação de conceitos. Ou não.

Mas quando o ‘eu acho que isso é assim’ toma uma forma tácita imperativa, por vezes provalecida, de opinião e mascara uma boa e velha ratoeira de comando; o que ocorre quando o conselheiro está tão certo do que está dizendo, sente que conhece tão bem o problema do aconselhado, que acaba por introduzir o elemento indução no seu discurso?

É claro que o poder efetivo deste pensamento está a cargo do receptor, do poder que ele concede, confia, admira, a quem está a escutar.  Eu tenho amigos que são autênticas fortalezas surdas ao que lhes dizem, especialmente quando o dito, não foi de encontro com seus valores e conceitos, sequer dão-se ao trabalho de confrontar as informações. Mas também tenho amigos sensíveis, que confiam nos largos anos a mais de experiência de outro amigo e estes, para mim, são alvos suscetíveis à possíveis  crises a médio-longo prazo, iniciadas ao efetivar uma sugestão.

Há anos, eu era muito categórico em dizer que ‘ouvido de amigo não é penico’ ou seja, alguém vem, faz toda uma ladainha, você põe seu latim em uso e fecha o assunto. Dias depois, a mesma pessoa volta, com a mesma ladainha e você dá-lhe seu latim novamente. Lá pelas tantas a desgraçada da pessoa retorna no mesmo ponto, feito um disco de vinil quebrado!(A versão antiga do CD arranhado, para os mais novos). 
Gente, eu sou o primeiro a defender que quanto mais falamos de um assunto, mais o quebramos e mais perto de entrar em paz com ele ficamos. Mas o assunto, mesmo que falado 300 vezes, deve ir perdendo intensidade. Quando temos alguém que por 300 vezes mantém a intensidade da questão, esta pessoa não quer entrar em paz com nada e só quer atenção! Isso é frustrante demais para quem dá o ouvido e então aqui é importante você reconhecer o tipo de ouvinte.

Uma criança olha para um balde e lista umas dez coisas úteis que pode fazer com ele, mas um adulto tem condições de listar pelo menos trinta. Cada idade tem seu limite de compreensão. Não adianta um indivíduo de quarenta anos dizer para um de vinte que ele está colocando fora uma oportunidade de ouro se esta oportunidade, no coração dele, no conhecimento dele, não reluz dourado. E digo mais, quando este alcançar os quarenta anos de idade, poderá até lembrar que teve a oportunidade, que hoje lhe seria útil, mas remorso não sentirá, pois não houve perda verdadeira, senão filosófica.

Um indivíduo só vê através de uma janela a 1,5m do chão, quando ele já cresceu mais de 1,5m em altura. Estou convencido que poucas pessoas aceitariam a sugestão de subir num banquinho e não há garantias que aquelas pessoas que aceitaram, vão compreender o que está lá fora. De facto, convém o indivíduo concluir sozinho, pela sua curiosidade, dando-se permissão, que quer achar forma de se pôr mais alto, assumindo a inteira responsabilidade deste acto.

O conselheiro que dá respostas, soluções, disfarçadas de sugestões, é perigoso quando o perfil do aconselhado é do gênero suscetível.  Essa situação é o mesmo que mandar uma criança de 10 anos tomar conta do seu irmão de 6. Crianças não tomam conta de crianças, ponto. É errado, é forçado, é irresponsável! Tomar conta de uma criança requer a compreensão que só um adulto tem e nunca nenhuma outra criança. 
Por isso conduzir alguém por um caminho que, alegadamente, filosoficamente,  é saudável e correto, pode causar o mesmo tipo de transtorno de comportamento, angústia e infelicidade, que uma criança de 10 anos sofre ao ser responsabilizada por uma de 6. É uma questão de estrutura, de arquitetura orgânica!

Então, acredito que  como conselheiro, convém:
Não ‘gastar’ seu latim com quem só quer atenção... dê-lhe antes, e apenas, um ouvido.  Se você é o tipo de pessoa que acha que o uso ‘do seu ouvido’  dá-lhe o direito imediato ao uso  ‘da sua boca’, mais vale ser honesto com esta pessoa e sugerir que ela procure outro...  ouvido.
Não se sinta desvalorizado pelo seu amigo não parecer usufruir de sua experiência. Primeiro que pode ser algo muito pessoal, uma breve confusão, e depois que ele pode apenas estar despreparado para esta ‘batalha’.
Não importa o quão sábio e iluminado você seja. Uma pessoa só enxerga algo quando lhe é hora para isso, quando tem condições para isso. Ver as pessoas que amamos a se ‘perderem’ ou a perder coisas é algo que só podemos lamentar.
Por fim e em resumo, em caso de ‘incêndio’ na casa do vizinho, não apoie a pessoa a ‘apagar o fogo’ ou ‘a pôr mais lenha nele’. Ajude-a antes a entender o que ela quer fazer com o fogo, o que significa aquele fogo. Talvez para você, ligar para o 991 seria o mais acertado, mas para ela, talvez lhe convenha ligar mais tarde para seguradora...

Como aconselhado, eu entendo que:
Procure pessoas que lhe ensinam a pescar e não que lhe dão o peixe. Se você sente que precisa do ‘peixe’, não serão conselhos que te darão suporte na vida. Sua estrutura necessita revisão, procure um profissional.

Absorva conhecimento, confronte suas ideias e ideais, questione suas certezas. Primeiro, foi a sua administração que lhe encaminhou até o ‘problema’, logo, é claro e óbvio que você está necessitando rever alguma coisa! Toda a confusão interna é um reflexo de conflito entre o que se quer e o que você se permite.

Esteja atento ao excesso de confiança no conselheiro.  A resposta do que você quer está no seu coração. Mas CUIDADO para não confundir prudência com covardia. Lembre-se que para aprender a nadar, você teve que primeiro entrar na água, sem saber nadar...

Aconselho-vos a tentarem ter uma excelente semana.  

Eduardo Divério.

domingo, abril 22, 2012

 

‘Rules of Endearment’


Lembro-me quando ouvia as pessoas dizerem que não escolhemos a pessoa por quem nos apaixonamos, que é algo que simplesmente acontece, assim, sem controle.  Eu pensava: ‘Sei... incontrolável? Estranho é ninguém se apaixonar por aquele anão africano banguela ou pela aquela gordinha dentuça ou por aquele magrelo narigudo...’.

Outro dia, eu estava lendo uma reportagem sobre um longo estudo científico aplicado sobre um largo grupo de pessoas, onde se concluiu que o estado de paixão dura de dois à três anos, tempo suficiente para estas duas pessoas se familiarizarem com suas qualidades, de forma a terem o que as suportem contra suas incompatibilidades e, então, viver daí num sentimento mais estável: o amor.

Mas então o que faz duas pessoas se apaixonarem? Pela internet, eu encontrei diversas teorias em diversos... credos.

Há quem acredite em destino; que duas almas, ainda na câmara celestial, são predestinadas uma a outra. Acho que isso era algo difícil de comprovar até a geração da minha mãe, mais ou menos, onde casavam-se jovens e morria-se juntos, por uma promessa. Mas no curso da minha vida, foram tantas as vezes que eu vivi uma paixão e que escutei ‘eu te amo’ que só se eu tivesse entrado na fila para o parceiro predestinado diversas vezes, explicaria!

Bem, aí também eu li qualquer coisa sobre resgate. Uma confusão de ‘promiscuidade’  e incesto astral, onde eu poderia, hoje, estar vivendo o sexo com quem já foi minha mãe, ou pai, ou sogra, ou filha, enfim. Um enredo tipo novela Australiana, que nunca tem fim... Mas se voltamos para resolver e resgatar coisas com pessoas que já vivemos em outras vidas, eu então devo ter ficado muitos, mas muitos anos sem reencarnar e foi acumulando gente com quem tenho coisas a resolver, pois afinal, foram tantas as vezes que eu vivi uma paixão e que escutei ‘eu te amo’...

Parte do estudo acima referido, mencionava que o beijo é um fator determinante e importante no ‘apaixonar-se’, pois transmite e recebe, na saliva, hormônios e feromônas que alertam nosso cérebro ao quão organicamente compatível esta pessoa é conosco. Quanto mais química equivalente, mais intensa se torna a paixão. Mas aqui requer que exista um contato entre estas duas pessoas. Eu tive a chance de comprovar esta teoria in locuo. Muitas vezes.

Mas ainda acho que não é tudo. Atração não se dá apenas por compatibilidade química, mas também física. Referindo-me num sentido mais acadêmico, falo de vibração de moléculas, campos magnéticos, cargas positivas e negativas, enfim.  E num sentido mais comum, e complementar, nos atraímos por aquilo que achamos belo (e a noção de beleza é aquele papo da bunda, não é? Cada um tem a sua...).

Eis o mapa, a fórmula do ‘cupido descontrolado’: atração pelo belo + física + química = paixão. Mas existe algo na matemática chamado comutatividade:  a ordem das parcelas não altera a soma. Logo, duas das variáveis acima podem ser nulas e ainda termos resultado.

Mas definitivamente, a sensação de magia, de transcendente, de inexplicável e de total descontrole, vem de um resultado onde todas as parcelas têm um valor e a intensidade, corresponderá na combinação do quão alto é cada um.

Mas se este ‘feitiço’ todo dura de dois à três anos, como isso se transforma em amor?

Desde o dia um deste encontro, bem, talvez não do dia um exatamente, mas desde o início desta união, começamos a lidar com os conflitos de comportamento um do outro. Comportamentos são geridos por valores, conceitos e condutas e ‘aí que a porca torce o rabo’. 

O que fazer quando a fórmula é mágica mas com o passar dos meses a pessoa revela-se um ‘nabo’?

Neste tema, e daqui em diante, sinto que quanto mais entendo, mais difícil ficar tomar decisões! Literalmente! É uma lista tão grande de probabilidades, uma combinação tão vasta, de uma gama tão heterogenia de tópicos que requer um livro! Não cabe num blog, ou poderia começar a dissertar em fascículos!

Sejamos breves então. Uma coisa eu sei por certo: presença de vício, violência – física ou verbal - falta de idoneidade, falta de respeito, falta de ternura e preguiça, são como concreto, uma mistura de areia, cimento, brita e água que pode desfazer-se em pó, mas nunca voltar ao estado original. Por isso, falamos aqui de aceitação absoluta e pura. Eu, estou fora!

Inseguranças, medos, covardia, fraqueza, excesso de racionalidade e excesso de emocional, têm um caráter que, apesar de provavelmente ser vitalício, contém em seus predicados o fator, a possibilidade, do transitório. Podem ser estados de uma idade, um nível de maturidade que tem possibilidades de evolução.  De novo, requer aceitação, ao que se refere ao tempo de cada um, e mais a compreensão, a disposição, saber  o quanto nos afeta conviver com as dificuldades alheias.  Eu acho que isso é normal e vem no pacote. Difícil entretanto, pois  consome, desgasta e acho que a ‘mágica’ tem que ter sido muito boa e com ausência total dos itens do parágrafo anterior... mas  acho que vale à pena investir.
Mas tenho amigos mais exigentes.  Quando a ‘magia’ começa a expirar, a transição para o amor é-lhes um assunto tão sério, que demanda educação acadêmica, cultura geral, bons modos sociais e até uma boa localização geográfica da morada da pessoa na cidade, pois tudo isso pode causar desequilíbrio e inquietação na relação.   

Para mim, particularmente, resume-se em aconchego. Se no término da ‘magia’ ficar aconchego, e este permanecer, amar é inevitável. Para conversas filosóficas e esportes radicais, eu tenho meus amigos! Mas eu sei que sou um salmão nadando contra a corrente aqui. Eu rompi com as ideias do romantismo, porque acho que um gap superior a cem anos parece-me uma distância considerável de nós e não vivemos mais como outrora viveram os Victorianos. Os moldes e a estrutura da nossa sociedade, versos individuo, evoluíram. Como nós procuramos as relações é que não.

Depois, porque acho que amor é um sentimento que tem seu predicado meio distorcido quando enquadrado numa relação amorosa. Nós amamos nossos pais e filhos, irmãos e alguns amigos e também nosso companheiro(a). Nossas ligações psicológicas com estas ‘entidades’ é que são  distintas. Se eliminarmos os elementos da fórmula, um companheiro a quem amamos pode perfeitamente virar um amigo a quem amamos, como um irmão.

Mas a verdade é que por mais que se definam e compreendam os mecanismos orgânicos que nos movem, não existe receita, conselho, teoria ou reza braba que revele o segredo de uma boa e longa relação. Eu vejo cada relação entre duas pessoas como as digitais dos dedos de um indivíduo, únicas! Os fatores que se combinaram ali, o que se investiu, empenhou, abriu-se mão ou o que se ganhou é algo que só faz sentido naquele ‘ecossistema’ de dois indivíduos que se amam.

Por isso, meu leitor, é esquecer quem ficou para trás, não usar ‘defunto’ como referência, permitir-se e se jogar de cabeça!

Uma amorosa semana a todos.

Eduardo Divério.

quinta-feira, abril 19, 2012

 

‘... Pero Mamã, Son Chinos!’


Conversando com um amigo, veio à tona este engraçado caso de um casal de amigos dele, Espanhóis vivendo em Espanha, que adotaram uma criança Chinesa. Lá pelas tantas, ela cresceu, inserida na cultura ao seu redor, e isso incluiu o idioma. Então seus pais resolveram expô-la um pouco à cultura chinesa, enfim, suas raízes étnicas, blá, blá, blá. Ao se encontrar entre um grupo de infantes Chineses, a criança não acaba por ter um ‘surto’, um choque cultural, com tudo o que via, gritando: ‘mamá! Que son chinos! Chinos!’.

Uma criança vê o mundo pelos olhos de seus pais. Ela cresce e passa a ajuizá-lo por esta mesma lente.  Gente, é claro que esta criança tinha espelho em casa, mas seus evidentes traços étnicos nunca foram apontados como relevância, logo nunca vistos, desfocados pelo resto da cultura e amor em que vivia inserida. Não existe dúvida quando existe conforto, não havia incomodo em sua vida que levantasse a questão.  Depois, falamos de uma criança!

É muito claro e compreensível que não tenha havido identificação imediata com o grupo. Mas claro também é que, se esta criança passa-se a conviver com outras chinesinhas, com aquele grupo, ela lentamente se aperceberia ser mais parecida com eles do que com os entes de sua própria família. E uma procura, em algum nível, teria início.

Gente, por mais que estes pais Espanhóis amem esta criança e tenham feito dela sua família e dado a ela seu mundo como cultura, ela é Chinesa, está no seu DNA. Ponto. Ela poderá vir a tirar o primeiro lugar num concurso de dança Sevillana, ler e interpretar Gabriel Garcia Lorca com soberania, mas ela sempre será diferente da maioria naquele país.

Bem, eu acho que isso ilustra na perfeição uma série de outras características que fazem um diferente dentro de sua família. Ser gay ou lésbica, ser vegetariano  quando o pai tem um açougue, simpatizante do Green Peace quando seus irmãos têm prêmios por caça, querer ser bailarino numa família de médicos e advogados ou querer ser um monge budista e mudar-se para o Tibete quando sua família é Testemunha de Jeová.

O que interessa aqui é, relevar que um cresce sob a educação, valores e conceitos de sua família, mas é quando este sai lá para fora, para o mundo,  que se apercebe que é diferente de suas ‘origens’, ou talvez do que a sua família espera dele. De início, esta pessoa vai relutar, vai gritar: ‘pero mamã, son chinos!’, poderá negar e lutar contra suas aspirações para se manter fiel a um legado. Contudo,  como vocês acham que seria a vida desta menina, se ela resolver negar que é Chinesa?

Podemos aprisionar nosso ‘EU’ longe de nossas vontades, mas não podemos fugir delas. Elas estão em nós. Podemos calá-las por períodos, mas vez por outra, ecoarão por nossos ouvidos. Há ‘Chineses’ tão atormentados por não serem  ´Espanhóis’, sentem-se  tão envergonhados por desejarem vestir uma cabeça de dragão em papel marché e festejar pelas ruas a virada de ano novo pelo calendário Chinês, que sucumbem em vida. Uns, recorrem mesmo ao suicídio, não vendo opções em como gerir o que se quer do que se pode.

Mas infelizmente, como estou convencido, este é mais um dos assuntos que quem entende, é por que já se resolveu. Quem sabe ser diferente, mas não escolhe nunca ‘separa-se’ de sua família, sequer entende o que para aqui vai.

E isso lembra-me o ex-terapeuta de um amigo meu que dizia: ‘As pessoas só mudam depois que fazem terapia ou sobrevivem a um câncer maligno’.

Uma boa semana a todos.

Eduardo Divério.

domingo, abril 15, 2012

 

‘Mind the Gap’


Minha maravilhosa progenitora nasceu em 1940. Filha de ferroviário, e a mais velha de mais outras três irmãs, ela recebeu uma educação rígida, restrita, quando os valores e as virtudes de uma moça eram medidos pelos seus gestos, sua postura e comportamento.  Minha avó era cerca de vinte anos mais velha do que ela.

Durante décadas, o gap que marcava a mudança de uma geração esteve em torno de vinte anos.  Mas já sabemos que houve aí uma evolução, que as pessoas passaram a se casar mais tarde e a terem filhos mais tarde também e agora, o novo número apontado começa a ser os trinta anos.

Meus pais não foram jovens ‘rebeldes’ e seguiram letra por letra a cartilha, o que acarretou em terem nos educado, a mim e meus irmãos,  ainda numa série de moldes  mais antigos, old fashion.  Com isso quero dizer que a ausência dos ‘sabores e conquistas’  da alucinada década de sessenta, na juventude deles,  seguiu numa hereditariedade implícita na minha educação, o que contribui para que eu não acordasse para a ‘geração coca cola’ por curiosidade ou atração, mas sim, pelo barulho, pela sacudida que os anos oitenta trariam ao mundo.

Estas marcas, estes processos mudos, estas formas psicológicas de ‘vida parasita microscópicas’ residem em nós, em todos nós, e dependendo da combinação de nossa sensibilidade versos a exposição ao meio corrente, vamos moldando  nossa personalidade.

Pensar que, apesar da indústria do plástico já ter feito imensa diferença, eu ainda brinquei e joguei os mesmos brinquedos e jogos que meus pais, quando eles eram crianças, mas que meus ‘filhos’ precisam de baterias para quase todas as suas brincadeiras e jogos, é estarrecedor.

Mas meu choque aqui não vai em direção às novas gerações ou mesmo coaduna com as críticas negativas e saudosistas do que fora. Sou um evolucionista, um corpo orgânico que segue migrando para o futuro tentando se adaptar, tentando se manter atualizado e o principal, tentando relacionar com gente, nos seus mais variados gaps de gerações.

Meu avô dizia que rock ‘n roll era música de 'cabeludo' e minha mãe quase pariu um urso quando em 1985, eu quis sair na rua com gel no cabelo – New Wave da Wellathon. Sempre houve choques, sempre houve resistência, mas render-se, é condenar-se ao desajuste.

Vivemos numa sociedade onde os carteiros praticamente só entregam papéis relacionados com finanças e cartões de felicitações. Em segundos, colocamos nossas famílias a par das novidades, qualquer novidade. Estamos ligados ao mundo e às pessoas pelos nossos smart phones ou pelo menos pelos nossos laptops e a tecnologia disponível que nos suporta expande de forma progressiva.

Eu continuo valorizando os mais de vinte anos que passei a estudar e nego-me a escrever como falamos num botequim.  Contudo, que outra alternativa tenho, senão aprender e acompanhar esta pseudo língua que se tem usado pelos chats? Tanto em Português como em Inglês?

Minha ideia aqui é salientar a relatividade dos pesos que as pessoas associam aos mesmos pontos em questão. As vezes,  sinto-me cansado, olho para trás e já não lembro com facilidade de onde vim e de como fiz as coisas. Contudo, a sensação do cansaço fala por si, pois revela desgaste, uma fortitude constante em manter o passo. É como se o mundo mudasse e ainda mantivéssemos em nós as sensações das nossas duas primeiras décadas de vida.

Talvez a forma mais clara de exemplificar isso, seja o fato de ter passado praticamente trinta anos desviando de muita socialização, de conhecer gente nova só por conhecer, numa festa por exemplo, de forma que pudesse evitar as conversas curiosas que devido às respostas, obviamente descreveriam meu padrão de vida e entregaria de bandeja a minha sexualidade.

Contudo, hoje, apesar de legalmente casado, de sair à rua e encontrar casais de homens e mulheres de mãos dadas, manifestando fisicamente seu carinho um pelo outro, sem que ninguém à volta se importe muito, ainda não me sinto à vontade. E isso é uma perda para mim, é eu não conseguir aproveitar o momento da nossa evolução onde isso tornou-se possível.  Tudo o que aprendi, ainda existe na forma de uma âncora na minha psique e quem tem vinte anos hoje, sequer sonha o que a minha geração passou para coexistir em sociedade.

As ‘facilidades’, as mudanças com que as novas gerações vivem, interagem conosco e tudo isso gera angústia, pressão, uma sensação de deslocamento que facilmente une-se, adiciona-se aos nossos medos e receios, nas neurotizações triviais de um dia-a-dia, dando-lhes mais força e mais peso do que na verdade têm.   

É preciso observar o mundo Hoje, pela lente do presente, e se permitir rever conceitos, re-julgar situações, aproveitar as aberturas das novas épocas e não se deixar intimidar pela nossa idade. Nem pela de ninguém.  Estamos vivos enquanto respiramos e como tal, ainda, e sempre, responsáveis por como queremos viver mais um dia em que acordamos para ele.

 Lembrem-se sempre que os negros já foram escravos e que as mulheres não tinham direito ao voto.  Agora quantifiquem o tempo que isso levou para mudar e apliquem este dinamismo na proporção diminuída em sua vida. Isso dará o entendimento do movimento dos conceitos, de como eles, imutavelmente, mudam sempre.

É preciso entender estes fluxos e é preciso nos amigar com eles.

Por isso reciclar é importante. Situar-se no Tempo é importante. Por isso permitir-se é importante. Pode causar confronto interno, mas integração ainda é a chave do segredo da felicidade. Social e pessoal.

Uma excelente semana para todos com beijos digitais.

Eduardo Divério.

segunda-feira, abril 09, 2012

 

Bucareste




Deixamos Rochester cedo na Sexta-feira Santa e partimos do Terminal 3 de Heathrow.  O embarque foi longo, quase se só se ouvia Romeno ao redor e parecia haver muito mais bagagem de mão do que os compartimentos superiores podiam transportar. Saímos com atraso e foi difícil não notar que o comportamento da tripulação da BA, para este voo, tinha algo diferente. Não chegavam a ser mal educados ou rudes, mas faltava àquela simpatia, uma boa disposição em sua linguagem corporal.

Hospedamo-nos no Double Tree by Hilton onde chegamos de táxi já jurando que o motorista estava a fazer um tour pela cidade para nos levar alguns extras leis. Mas a estadia no hotel foi tranquila e fomos muito bem tratados, com direito a late check out e transfer para o aeroporto.

A cidade desperta mixed reviews. Aquela que já fora conhecida como a pequena Paris do leste, com mais de dois milhões de habitantes, vastas e longas Boulevards e mergulhada na arquitetura da Belle Époque, revelou-se  estar descuidada, fustigada pelos intensos invernos e nada, mas nada preparada para o turismo.

A sinalização para monumentos e museus é quase inexistente. Não encontramos um único centro de turismo e os prédios públicos, que na sua ostentação se deram a conhecer ao mundo, não estavam abertos para visita. As estações de Metro são consideravelmente distantes umas das outras. A cidade antiga, apesar de ter ganhado um novo pavimento e alguma revitalização, têm as faixadas de seus prédios em ruínas. Não encontrei nenhum estacionamento subterrâneo ou mesmo vertical; estaciona-se às margens das calçadas na velha guerra por um espaço.  

Os nativos, aparentemente sem muitos modos e jeito, demonstraram-se afáveis e disponíveis quando interpelados e nunca encontramos alguém que não tivesse, pelo menos, tentado falar em Inglês conosco. Conduzem seus carros como Romanos, mas intrigantemente, respeitam as sinalizações como Ingleses. Quase não há motos pela cidade e bicicletas, apenas nos parques.

Os parques foram a mais grata surpresa de toda a viagem. Acompanham as longas Boulevards e suas vegetações são riquíssimas em contrastes de pastéis e cores quentes.  Árvores frondosas, muitas árvores, de troncos grossos e altos com alamedas por entre elas, bares e esplanadas.

A cidade antiga é alto astral, especialmente do fim de tarde em diante. Repleta de esplanadas e bares lounge onde come-se bem, bebe-se melhor ainda e tudo com preços de há vinte anos! Na Sexta-feira, para aliviar o stress do voo e da chegada, rolaram seis Cosmopolitans e dois grilled beefs que nos custaram apenas £35.00! Fomos sempre bem servidos nos restaurantes, comida de bom aroma e excelente aspecto e nunca tivemos a má experiência de ao nos regalarmos pelas pastelarias, provar algo que não soubesse fresco.

Achamos a cidade bastante grande, mas tudo muito espalhado e com excessivas áreas abandonadas, terrenos baldios, tomados de mato. À  volta do Parlamento, o segundo maior prédio público do planeta, encontramos condomínios de luxo, mas cercados de terrenos abandonados ou mesmo curtiços.

Entretanto, nosso retorno foi um pesadelo. Apesar de o embarque ter sido muito mais tranquilo do que o da ida, foi lento da mesma forma e atrasamos de novo para decolar. Em Londres, não obtínhamos permissão para aterrar e sobrevoamos a cidade aos espirais por quase uma hora.  Como Segunda-feira ainda foi feriado em UK, o controle de passaportes estava parecendo a fronteira com o México. Nossas malas recusavam-se a desfilar na esteira e para completar, ao entrarmos no carro, descobrimos que não havia bateria.  Chamada assistência, fez-se a famosa ‘chupetinha’ e conclui-se que se tinha que mudar a bateria e finalmente seguimos para casa depois disso, onde ao chegar, descubro que perdi as chaves do cadeado da minha mala e que de um alicate de corte preciso recorrer.

Mas fez-me muito bem no geral e todas as coisas vistas menos positivas, não nos impediram de desfrutar o que de bom havia e guardo excelentes memórias. Em dez anos gostaria de ver o que eles fizeram com aquela promissora cidade.

Uma boa semana à todos.

Eduardo Divério.

quarta-feira, abril 04, 2012

 

‘O Inferno Somos Nós’


Dentro de uma doutrina, eu consigo entender o conceito do purgatório. Seria, mais ou menos, algo como: você não se comportou na aula e agora vai perder o recreio até aprender a se comportar. Mas o inferno  me confundi.

Veja bem:  Se o trabalho de Lúcifer, o anjo caído, é recrutar pessoas, estimulá-las a fazer o mau para enfraquecer a frequência no céu, criar concorrência, por quê, uma vez no inferno, estas pessoas seriam punidas e torturadas pela eternidade?

Eu imagino que a apólice contratual desta oferta prometa coisas que aliciem de verdade a forma humana a assiná-la. Logo, Lúcifer deveria recebê-las como acontecem naqueles pacotes fechados de férias que compramos, onde nos hospedamos num risort de luxo, com ginásio, piscina de ondas artificiais, quadras de tênis, ski e equitação, enfim. Algo que mantenha o contento do cliente.

E penso isso, porque se Lúcifer vai torturar esta gente toda por terem feito o mau, por toda a eternidade,  é quase como se ele trabalhasse como um agente infiltrado e o inferno não passasse então, do  departamento de ‘perdas’ celestial!  Pois afinal, estaria a aplicar uma pena àqueles que não se comportaram, regra máxima para se entrar no céu!

Bem, é verdade que o que se diz do ‘chifrudo’, é que ele mente, promete o que não existe, engana, dissimula, mas tudo pelo prazer do cheiro de carne queimada? Hummm... não sei. Eu compreendo que em termos antagônicos, o mau é algo que degenera, destrói, corrói em relação ao bem, que constrói, prolifera e enriquece. Daí eu consigo ver a má intenção do ‘cabeça de bode’ em querer destruir a criação do Senhor.

Mas se Deus é a relação direta da imagem do bem e o diabo a do mau, há aqui uma desvantagem. O capeta foi  uma anjo de alta hierarquia um dia, rico em sabedoria, logo sua essência é o ‘bem’ e não o puro ‘mau’ como é o puro ‘bem’ para Deus, está dando para entender? O DNA do cara é divino! Por isso custa-me, um pouco, entender, aceitar que alguém viva a gerenciar um empreendimento, buscando satisfação em algo que não está na sua natureza.

A tôca serviu? Mas você conhece alguém a quem serviria, não?

Por isso, voltando, acho que o papo da tortura eterna pode ser estratégia política do adversário, não sei...

Mas isso lembra-me uma piada: O indivíduo morre e vai pro inferno. Lá, é recebido pelo diabo que o leva para uma pequena tour. O elemento surpreende-se com as facilidades do inferno. Gente brincando sobre relva verde, jogando futebol, a maior raive rolando em céu aberto, ou melhor, em inferno aberto e a galera ultra-mega-híper feliz se divertido. E aí ele passa por um canto com um cheiro de enxofre pavoroso, gente sendo tortura e queimada e aí ele pergunta ao diabo que contraste era aquele? Ao quê o diabo responde: Ah, nada... isso aí é para os Católicos. Eles adoram isso.

Uma semana de bom comportamento a todos, não vá o papo da tortura ser verdade... ;)

Eduardo Divério,

domingo, abril 01, 2012

 

Retificação Intencionada


Desde que escrevi ‘Desgaste mau Intencionado’, dúvidas instalaram-se em minha mente. À medida que pensava nos argumentos e buscava as devidas concordâncias frásicas, minha alma fora se inquietando e foi apenas quando escrevi o último texto que apercebi-me o que era.

Continuo acreditando que as pessoas merecem crédito por suas intenções e que conhecê-las, podem nos inspirar a desenvolver esperança, maior compreensão e compaixão para com seus atos. Contudo, há uma verdade maior: todos têm opções. Para tudo, faz-se uma escolha.

Um homem é julgado pelo seu comportamento, tanto numa vara criminal como numa intervenção amigável. Aquilo que fazemos, como reagimos ao que sentimos, como tratamos as pessoas a nossa volta, é o reflexo de uma gestão, de uma consciência e isso é o que de fato afetará as pessoas e o meio à volta.

Não importa o quão bem intencionada seja uma pessoa se ela sempre escolhe ceder ao medo, se ela sempre escolhe o caminho menos doloroso, se ela sempre escolhe se esconder, se ela sempre escolhe se omitir de decisões que são fundamentais para seu futuro.

Claro que não me refiro aqui a escolhas como qual curso de faculdade fazer, ou se quero ou não me separar de uma pessoa. Refiro-me à escolhas que remodelarão um comportamento, retificarão as consequências de seus atos e talvez, alinharem-se com suas intenções.

Preciso voltar atrás e dar a minha mão à palmatória; todos são responsáveis pelos seus atos, pois há sempre uma escolha. Em  decorrência disso, pode-se ter que pagar um preço e aqui reside o brio de um, ao se estar disposto a pagar o custo pela emenda de algo, pelo fabrico de alguma coisa ou pela manutenção  daquilo pelo seu real valor.

Há escolhas que são difíceis, pois habitam sobre a encruzilhada entre dois caminhos que se divergem. Há pessoas que passarão anos sentadas à frente desta questão, sem decidir, fazendo suas vidas imutáveis, ali, até a morte. Outras, poderão seguir um caminho pelo qual ao longo de toda a sua extensão, viverão a fantasia do como teria sido pela outra estrada. Umas, escolherão voltar e fazer o desvio, mas outras não terão condições de fazê-lo, e seguirão seu rumo sem olhar para trás. Cansadas.

Toda escolha é facilmente justificada com uma lista de argumentos e isso, pode ser estratégico. Em diferentes pontos da vida, sentimos a necessidade de reestruturar as coisas, baseados em novos valores ou mesmo em velhos valores, mas escolher é o reflexo do que realmente nos move, seja medo, coragem, inspiração ou paranóia. Afinal, não mudar também é uma escolha.

O grande lance é percebermos como tudo funciona e permitirmo-nos a escolha. É saber que no jogo na vida, é permitido voltar atrás; que é possível  se desfazer ações e acordos; que retificar um gesto nunca é tarde; que ser feliz é a meta final deste mesmo jogo, que como qualquer um, tem seus revezes, tem suas ciladas e contratempos, mas que sempre nos dá a escolher.

Eu desejo a todos uma semana de discernimento para que se façam escolhas de boas intenções.

Eduardo Divério

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