segunda-feira, abril 30, 2012
Conselheiros e Aconselhados
Existe um
ditado antigo que diz que se conselho fosse bom não se dava, se vendia. Ando meditabundo sobre isso, lembrando do
oceano de conselhos que recebi ao longo da vida e dos mares de outros tantos
que dei, e o quê de fato fora feito deles como uso.
Há
conselhos universais, que são proferidos de forma genérica e que, talvez, portem
mais uma lição, uma moral de fundo, do que propriamente a sugestão do que se
fazer. A cultura chinesa antiga é
forrada de exemplos assim, de metáforas e analogias que deixa o ‘consultante’ a
sua total mercê de compreensão, interpretação e decisão do que fazer.
Mas quero
focar-me nos conselhos de voz ativa, opiniáticos, aqueles baseados na
experiência do indivíduo. Tive uma semana densa de conversas com pessoas
diferentes, mas com um ponto em comum, a
questão: ‘o que tu achas disso?’.
‘O que tu
achas disso?’ em si, apenas permite a outra pessoa expressar sua opinião sobre
o assunto em questão. Os pensamentos que advém daí são baseados nos valores,
conceitos e impressões pessoais do elemento questionado. Via-de-regra, deveriam
ser bem-vindos pela riqueza de perspectiva, introdução de novos agentes,
confronto de valores e elucidação de conceitos. Ou não.
Mas quando
o ‘eu acho que isso é assim’ toma uma forma tácita imperativa, por vezes
provalecida, de opinião e mascara uma boa e velha ratoeira de comando; o que
ocorre quando o conselheiro está tão certo do que está dizendo, sente que
conhece tão bem o problema do aconselhado, que acaba por introduzir o elemento
indução no seu discurso?
É claro que
o poder efetivo deste pensamento está a cargo do receptor, do poder que ele
concede, confia, admira, a quem está a escutar.
Eu tenho amigos que são autênticas fortalezas surdas ao que lhes dizem,
especialmente quando o dito, não foi de encontro com seus valores e conceitos,
sequer dão-se ao trabalho de confrontar as informações. Mas também tenho amigos
sensíveis, que confiam nos largos anos a mais de experiência de outro amigo e
estes, para mim, são alvos suscetíveis à possíveis crises a médio-longo prazo, iniciadas ao
efetivar uma sugestão.
Há anos, eu
era muito categórico em dizer que ‘ouvido de amigo não é penico’ ou seja,
alguém vem, faz toda uma ladainha, você põe seu latim em uso e fecha o assunto.
Dias depois, a mesma pessoa volta, com a mesma ladainha e você dá-lhe seu latim
novamente. Lá pelas tantas a desgraçada da pessoa retorna no mesmo ponto, feito
um disco de vinil quebrado!(A versão antiga do CD arranhado, para os mais
novos).
Gente, eu sou
o primeiro a defender que quanto mais falamos de um assunto, mais o quebramos e
mais perto de entrar em paz com ele ficamos. Mas o assunto, mesmo que falado
300 vezes, deve ir perdendo intensidade. Quando temos alguém que por 300 vezes
mantém a intensidade da questão, esta pessoa não quer entrar em paz com nada e
só quer atenção! Isso é frustrante demais para quem dá o ouvido e então aqui é
importante você reconhecer o tipo de ouvinte.
Uma criança
olha para um balde e lista umas dez coisas úteis que pode fazer com ele, mas um
adulto tem condições de listar pelo menos trinta. Cada idade tem seu limite de
compreensão. Não adianta um indivíduo de quarenta anos dizer para um de vinte
que ele está colocando fora uma oportunidade de ouro se esta oportunidade, no
coração dele, no conhecimento dele, não reluz dourado. E digo mais, quando este
alcançar os quarenta anos de idade, poderá até lembrar que teve a oportunidade,
que hoje lhe seria útil, mas remorso não sentirá, pois não houve perda
verdadeira, senão filosófica.
Um
indivíduo só vê através de uma janela a 1,5m do chão, quando ele já cresceu
mais de 1,5m em altura. Estou convencido que poucas pessoas aceitariam a
sugestão de subir num banquinho e não há garantias que aquelas pessoas que
aceitaram, vão compreender o que está lá fora. De facto, convém o indivíduo concluir
sozinho, pela sua curiosidade, dando-se permissão, que quer achar forma de se
pôr mais alto, assumindo a inteira responsabilidade deste acto.
O
conselheiro que dá respostas, soluções, disfarçadas de sugestões, é perigoso
quando o perfil do aconselhado é do gênero suscetível. Essa situação é o mesmo que mandar uma criança
de 10 anos tomar conta do seu irmão de 6. Crianças não tomam conta de crianças,
ponto. É errado, é forçado, é irresponsável! Tomar conta de uma criança requer
a compreensão que só um adulto tem e nunca nenhuma outra criança.
Por isso
conduzir alguém por um caminho que, alegadamente, filosoficamente, é saudável e correto, pode causar o mesmo tipo
de transtorno de comportamento, angústia e infelicidade, que uma criança de 10
anos sofre ao ser responsabilizada por uma de 6. É uma questão de estrutura, de
arquitetura orgânica!
Então,
acredito que como conselheiro, convém:
Não ‘gastar’
seu latim com quem só quer atenção... dê-lhe antes, e apenas, um ouvido. Se você é o tipo de pessoa que acha que o uso
‘do seu ouvido’ dá-lhe o direito
imediato ao uso ‘da sua boca’, mais vale
ser honesto com esta pessoa e sugerir que ela procure outro... ouvido.
Não se
sinta desvalorizado pelo seu amigo não parecer usufruir de sua experiência.
Primeiro que pode ser algo muito pessoal, uma breve confusão, e depois que ele
pode apenas estar despreparado para esta ‘batalha’.
Não importa
o quão sábio e iluminado você seja. Uma pessoa só enxerga algo quando lhe é
hora para isso, quando tem condições para isso. Ver as pessoas que amamos a se
‘perderem’ ou a perder coisas é algo que só podemos lamentar.
Por fim e
em resumo, em caso de ‘incêndio’ na casa do vizinho, não apoie a pessoa a
‘apagar o fogo’ ou ‘a pôr mais lenha nele’. Ajude-a antes a entender o que ela
quer fazer com o fogo, o que significa aquele fogo. Talvez para você, ligar
para o 991 seria o mais acertado, mas para ela, talvez lhe convenha ligar mais
tarde para seguradora...
Como
aconselhado, eu entendo que:
Procure
pessoas que lhe ensinam a pescar e não que lhe dão o peixe. Se você sente que precisa
do ‘peixe’, não serão conselhos que te darão suporte na vida. Sua estrutura
necessita revisão, procure um profissional.
Absorva
conhecimento, confronte suas ideias e ideais, questione suas certezas.
Primeiro, foi a sua administração que lhe encaminhou até o ‘problema’, logo, é
claro e óbvio que você está necessitando rever alguma coisa! Toda a confusão
interna é um reflexo de conflito entre o que se quer e o que você se permite.
Esteja
atento ao excesso de confiança no conselheiro.
A resposta do que você quer está no seu coração. Mas CUIDADO para não
confundir prudência com covardia. Lembre-se que para aprender a nadar, você
teve que primeiro entrar na água, sem saber nadar...
Aconselho-vos
a tentarem ter uma excelente semana.
Eduardo
Divério.
domingo, abril 22, 2012
‘Rules of Endearment’
Lembro-me
quando ouvia as pessoas dizerem que não escolhemos a pessoa por quem nos
apaixonamos, que é algo que simplesmente acontece, assim, sem controle. Eu pensava: ‘Sei... incontrolável? Estranho é
ninguém se apaixonar por aquele anão africano banguela ou pela aquela gordinha
dentuça ou por aquele magrelo narigudo...’.
Outro dia,
eu estava lendo uma reportagem sobre um longo estudo científico aplicado sobre
um largo grupo de pessoas, onde se concluiu que o estado de paixão dura de dois
à três anos, tempo suficiente para estas duas pessoas se familiarizarem com
suas qualidades, de forma a terem o que as suportem contra suas
incompatibilidades e, então, viver daí num sentimento mais estável: o amor.
Mas então o
que faz duas pessoas se apaixonarem? Pela internet, eu encontrei diversas
teorias em diversos... credos.
Há quem
acredite em destino; que duas almas, ainda na câmara celestial, são
predestinadas uma a outra. Acho que isso era algo difícil de comprovar até a
geração da minha mãe, mais ou menos, onde casavam-se jovens e morria-se juntos,
por uma promessa. Mas no curso da minha vida, foram tantas as vezes que eu vivi
uma paixão e que escutei ‘eu te amo’ que só se eu tivesse entrado na fila para
o parceiro predestinado diversas vezes, explicaria!
Bem, aí
também eu li qualquer coisa sobre resgate. Uma confusão de ‘promiscuidade’ e incesto astral, onde eu poderia, hoje,
estar vivendo o sexo com quem já foi minha mãe, ou pai, ou sogra, ou filha,
enfim. Um enredo tipo novela Australiana, que nunca tem fim... Mas se voltamos
para resolver e resgatar coisas com pessoas que já vivemos em outras vidas, eu
então devo ter ficado muitos, mas muitos anos sem reencarnar e foi acumulando
gente com quem tenho coisas a resolver, pois afinal, foram tantas as vezes que
eu vivi uma paixão e que escutei ‘eu te amo’...
Parte do
estudo acima referido, mencionava que o beijo é um fator determinante e
importante no ‘apaixonar-se’, pois transmite e recebe, na saliva, hormônios e
feromônas que alertam nosso cérebro ao quão organicamente compatível esta
pessoa é conosco. Quanto mais química equivalente, mais intensa se torna a
paixão. Mas aqui requer que exista um contato entre estas duas pessoas. Eu tive
a chance de comprovar esta teoria in
locuo. Muitas vezes.
Mas ainda
acho que não é tudo. Atração não se dá apenas por compatibilidade química, mas
também física. Referindo-me num sentido mais acadêmico, falo de vibração de
moléculas, campos magnéticos, cargas positivas e negativas, enfim. E num sentido mais comum, e complementar, nos
atraímos por aquilo que achamos belo (e a noção de beleza é aquele papo da
bunda, não é? Cada um tem a sua...).
Eis o mapa,
a fórmula do ‘cupido descontrolado’: atração pelo belo + física + química =
paixão. Mas existe algo na matemática chamado comutatividade: a ordem das parcelas não altera a soma. Logo,
duas das variáveis acima podem ser nulas e ainda termos resultado.
Mas
definitivamente, a sensação de magia, de transcendente, de inexplicável e de
total descontrole, vem de um resultado onde todas as parcelas têm um valor e a
intensidade, corresponderá na combinação do quão alto é cada um.
Mas se este ‘feitiço’ todo dura de dois à três
anos, como isso se transforma em amor?
Desde o dia
um deste encontro, bem, talvez não do dia um exatamente, mas desde o início
desta união, começamos a lidar com os conflitos de comportamento um do outro.
Comportamentos são geridos por valores, conceitos e condutas e ‘aí que a porca
torce o rabo’.
O que fazer
quando a fórmula é mágica mas com o passar dos meses a pessoa revela-se um
‘nabo’?
Neste tema,
e daqui em diante, sinto que quanto mais entendo, mais difícil ficar tomar
decisões! Literalmente! É uma lista tão grande de probabilidades, uma
combinação tão vasta, de uma gama tão heterogenia de tópicos que requer um
livro! Não cabe num blog, ou poderia começar a dissertar em fascículos!
Sejamos
breves então. Uma coisa eu sei por certo: presença de vício, violência – física
ou verbal - falta de idoneidade, falta de respeito, falta de ternura e preguiça,
são como concreto, uma mistura de areia, cimento, brita e água que pode
desfazer-se em pó, mas nunca voltar ao estado original. Por isso, falamos aqui
de aceitação absoluta e pura. Eu, estou fora!
Inseguranças,
medos, covardia, fraqueza, excesso de racionalidade e excesso de emocional, têm
um caráter que, apesar de provavelmente ser vitalício, contém em seus
predicados o fator, a possibilidade, do transitório. Podem ser estados de uma
idade, um nível de maturidade que tem possibilidades de evolução. De novo, requer aceitação, ao que se refere ao
tempo de cada um, e mais a compreensão, a disposição, saber o quanto nos afeta conviver com as
dificuldades alheias. Eu acho que isso é
normal e vem no pacote. Difícil entretanto, pois consome, desgasta e acho que a ‘mágica’ tem
que ter sido muito boa e com ausência total dos itens do parágrafo anterior...
mas acho que vale à pena investir.
Mas tenho
amigos mais exigentes. Quando a ‘magia’
começa a expirar, a transição para o amor é-lhes um assunto tão sério, que demanda
educação acadêmica, cultura geral, bons modos sociais e até uma boa localização
geográfica da morada da pessoa na cidade, pois tudo isso pode causar
desequilíbrio e inquietação na relação.
Para mim,
particularmente, resume-se em aconchego. Se no término da ‘magia’ ficar
aconchego, e este permanecer, amar é inevitável. Para conversas filosóficas e
esportes radicais, eu tenho meus amigos! Mas eu sei que sou um salmão nadando
contra a corrente aqui. Eu rompi com as ideias do romantismo, porque acho que
um gap superior a cem anos parece-me
uma distância considerável de nós e não vivemos mais como outrora viveram os
Victorianos. Os moldes e a estrutura da nossa sociedade, versos individuo, evoluíram.
Como nós procuramos as relações é que não.
Depois,
porque acho que amor é um sentimento que tem seu predicado meio distorcido
quando enquadrado numa relação amorosa. Nós amamos nossos pais e filhos, irmãos
e alguns amigos e também nosso companheiro(a). Nossas ligações psicológicas com
estas ‘entidades’ é que são distintas.
Se eliminarmos os elementos da fórmula, um companheiro a quem amamos pode
perfeitamente virar um amigo a quem amamos, como um irmão.
Mas a
verdade é que por mais que se definam e compreendam os mecanismos orgânicos que
nos movem, não existe receita, conselho, teoria ou reza braba que revele o
segredo de uma boa e longa relação. Eu vejo cada relação entre duas pessoas
como as digitais dos dedos de um indivíduo, únicas! Os fatores que se
combinaram ali, o que se investiu, empenhou, abriu-se mão ou o que se ganhou é algo
que só faz sentido naquele ‘ecossistema’ de dois indivíduos que se amam.
Por isso,
meu leitor, é esquecer quem ficou para trás, não usar ‘defunto’ como
referência, permitir-se e se jogar de cabeça!
Uma amorosa
semana a todos.
Eduardo
Divério.
quinta-feira, abril 19, 2012
‘... Pero Mamã, Son Chinos!’
Conversando
com um amigo, veio à tona este engraçado caso de um casal de amigos dele,
Espanhóis vivendo em Espanha, que adotaram uma criança Chinesa. Lá pelas
tantas, ela cresceu, inserida na cultura ao seu redor, e isso incluiu o
idioma. Então seus pais resolveram expô-la um pouco à cultura chinesa, enfim,
suas raízes étnicas, blá, blá, blá. Ao se encontrar entre um grupo de infantes Chineses, a criança não acaba por ter um ‘surto’, um
choque cultural, com tudo o que via, gritando: ‘mamá! Que son chinos! Chinos!’.
Uma criança
vê o mundo pelos olhos de seus pais. Ela cresce e passa a ajuizá-lo por esta
mesma lente. Gente, é claro que esta
criança tinha espelho em casa, mas seus evidentes traços étnicos nunca foram apontados como relevância, logo nunca vistos, desfocados pelo resto da cultura e amor em que
vivia inserida. Não existe dúvida quando existe conforto, não havia incomodo em
sua vida que levantasse a questão.
Depois, falamos de uma criança!
É muito
claro e compreensível que não tenha havido identificação imediata com o grupo.
Mas claro também é que, se esta criança passa-se a conviver com outras
chinesinhas, com aquele grupo, ela lentamente se aperceberia ser mais parecida
com eles do que com os entes de sua própria família. E uma procura, em algum
nível, teria início.
Gente, por
mais que estes pais Espanhóis amem esta criança e tenham feito dela sua família
e dado a ela seu mundo como cultura, ela é Chinesa, está no seu DNA. Ponto. Ela
poderá vir a tirar o primeiro lugar num concurso de dança Sevillana, ler e
interpretar Gabriel Garcia Lorca com soberania, mas ela sempre será diferente da maioria naquele país.
Bem, eu
acho que isso ilustra na perfeição uma série de outras características que
fazem um diferente dentro de sua família. Ser gay ou lésbica, ser vegetariano quando o pai tem um açougue, simpatizante do
Green Peace quando seus irmãos têm prêmios por caça, querer ser bailarino numa
família de médicos e advogados ou querer ser um monge budista e mudar-se para o
Tibete quando sua família é Testemunha de Jeová.
O que
interessa aqui é, relevar que um cresce sob a educação, valores e conceitos de
sua família, mas é quando este sai lá para fora, para o mundo, que se apercebe que é diferente de suas ‘origens’,
ou talvez do que a sua família espera dele. De início, esta pessoa vai relutar,
vai gritar: ‘pero mamã, son chinos!’, poderá negar e lutar contra suas
aspirações para se manter fiel a um legado. Contudo, como vocês acham que seria a vida desta
menina, se ela resolver negar que é Chinesa?
Podemos
aprisionar nosso ‘EU’ longe de nossas vontades, mas não podemos fugir delas.
Elas estão em nós. Podemos calá-las por períodos, mas vez por outra, ecoarão por nossos ouvidos. Há ‘Chineses’ tão atormentados por não serem ´Espanhóis’, sentem-se tão envergonhados por desejarem vestir uma
cabeça de dragão em papel marché e
festejar pelas ruas a virada de ano novo pelo calendário Chinês, que sucumbem
em vida. Uns, recorrem mesmo ao suicídio, não vendo opções em como gerir o que
se quer do que se pode.
Mas infelizmente,
como estou convencido, este é mais um dos assuntos que quem entende, é por que
já se resolveu. Quem sabe ser diferente, mas não escolhe nunca ‘separa-se’ de
sua família, sequer entende o que para aqui vai.
E isso
lembra-me o ex-terapeuta de um amigo meu que dizia: ‘As pessoas só mudam depois
que fazem terapia ou sobrevivem a um câncer maligno’.
Uma boa
semana a todos.
Eduardo Divério.
domingo, abril 15, 2012
‘Mind the Gap’
Minha
maravilhosa progenitora nasceu em 1940. Filha de ferroviário, e a mais velha
de mais outras três irmãs, ela recebeu uma educação rígida, restrita, quando os
valores e as virtudes de uma moça eram medidos pelos seus gestos, sua postura e
comportamento. Minha avó era cerca de
vinte anos mais velha do que ela.
Durante
décadas, o gap que marcava a mudança
de uma geração esteve em torno de vinte anos.
Mas já sabemos que houve aí uma evolução, que as pessoas passaram a se
casar mais tarde e a terem filhos mais tarde também e agora, o novo número
apontado começa a ser os trinta anos.
Meus pais
não foram jovens ‘rebeldes’ e seguiram letra por letra a cartilha, o que
acarretou em terem nos educado, a mim e meus irmãos, ainda numa série de moldes mais antigos, old fashion. Com isso quero
dizer que a ausência dos ‘sabores e conquistas’
da alucinada década de sessenta, na juventude deles, seguiu numa hereditariedade implícita na
minha educação, o que contribui para que eu não acordasse para a ‘geração coca
cola’ por curiosidade ou atração, mas sim, pelo barulho, pela sacudida que os anos
oitenta trariam ao mundo.
Estas
marcas, estes processos mudos, estas formas psicológicas de ‘vida parasita
microscópicas’ residem em nós, em todos nós, e dependendo da combinação de nossa
sensibilidade versos a exposição ao meio corrente, vamos moldando nossa personalidade.
Pensar que,
apesar da indústria do plástico já ter feito imensa diferença, eu ainda
brinquei e joguei os mesmos brinquedos e jogos que meus pais, quando eles eram
crianças, mas que meus ‘filhos’ precisam de baterias para quase todas as suas
brincadeiras e jogos, é estarrecedor.
Mas meu
choque aqui não vai em direção às novas gerações ou mesmo coaduna com as críticas
negativas e saudosistas do que fora. Sou um evolucionista, um corpo orgânico
que segue migrando para o futuro tentando se adaptar, tentando se manter
atualizado e o principal, tentando relacionar com gente, nos seus mais variados
gaps de gerações.
Meu avô
dizia que rock ‘n roll era música de 'cabeludo' e minha mãe quase pariu um urso quando em 1985, eu quis sair na rua
com gel no cabelo – New Wave da Wellathon. Sempre houve choques, sempre houve
resistência, mas render-se, é condenar-se ao desajuste.
Vivemos
numa sociedade onde os carteiros praticamente só entregam papéis relacionados
com finanças e cartões de felicitações. Em segundos, colocamos nossas famílias
a par das novidades, qualquer novidade. Estamos ligados ao mundo e às pessoas
pelos nossos smart phones ou pelo
menos pelos nossos laptops e a tecnologia
disponível que nos suporta expande de forma progressiva.
Eu continuo
valorizando os mais de vinte anos que passei a estudar e nego-me a escrever
como falamos num botequim. Contudo, que
outra alternativa tenho, senão aprender e acompanhar esta pseudo língua que se
tem usado pelos chats? Tanto em
Português como em Inglês?
Minha ideia
aqui é salientar a relatividade dos pesos que as pessoas associam aos mesmos
pontos em questão. As vezes, sinto-me
cansado, olho para trás e já não lembro com facilidade de onde vim e de como
fiz as coisas. Contudo, a sensação do cansaço fala por si, pois revela
desgaste, uma fortitude constante em manter o passo. É como se o mundo mudasse
e ainda mantivéssemos em nós as sensações das nossas duas primeiras décadas de
vida.
Talvez a
forma mais clara de exemplificar isso, seja o fato de ter passado praticamente
trinta anos desviando de muita socialização, de conhecer gente nova só por
conhecer, numa festa por exemplo, de forma que pudesse evitar as conversas
curiosas que devido às respostas, obviamente descreveriam meu padrão de vida e
entregaria de bandeja a minha sexualidade.
Contudo,
hoje, apesar de legalmente casado, de sair à rua e encontrar casais de homens e
mulheres de mãos dadas, manifestando fisicamente seu carinho um pelo outro, sem
que ninguém à volta se importe muito, ainda não me sinto à vontade. E isso é
uma perda para mim, é eu não conseguir aproveitar o momento da nossa evolução
onde isso tornou-se possível. Tudo o que
aprendi, ainda existe na forma de uma âncora na minha psique e quem tem vinte
anos hoje, sequer sonha o que a minha geração passou para coexistir em
sociedade.
As
‘facilidades’, as mudanças com que as novas gerações vivem, interagem conosco e
tudo isso gera angústia, pressão, uma sensação de deslocamento que facilmente
une-se, adiciona-se aos nossos medos e receios, nas neurotizações triviais de
um dia-a-dia, dando-lhes mais força e mais peso do que na verdade têm.
É preciso
observar o mundo Hoje, pela lente do presente, e se permitir rever conceitos,
re-julgar situações, aproveitar as aberturas das novas épocas e não se deixar
intimidar pela nossa idade. Nem pela de ninguém. Estamos vivos enquanto respiramos e como tal,
ainda, e sempre, responsáveis por como queremos viver mais um dia em que
acordamos para ele.
Lembrem-se sempre que os negros já foram
escravos e que as mulheres não tinham direito ao voto. Agora quantifiquem o tempo que isso levou para mudar e
apliquem este dinamismo na proporção diminuída em sua vida. Isso dará o entendimento do
movimento dos conceitos, de como eles, imutavelmente, mudam sempre.
É preciso
entender estes fluxos e é preciso nos amigar com eles.
Por isso
reciclar é importante. Situar-se no Tempo é importante. Por isso permitir-se é
importante. Pode causar confronto interno, mas integração ainda é a chave do
segredo da felicidade. Social e pessoal.
Uma
excelente semana para todos com beijos digitais.
Eduardo
Divério.
segunda-feira, abril 09, 2012
Bucareste
Deixamos
Rochester cedo na Sexta-feira Santa e partimos do Terminal 3 de Heathrow. O embarque foi longo, quase se só se ouvia
Romeno ao redor e parecia haver muito mais bagagem de mão do que os compartimentos
superiores podiam transportar. Saímos com atraso e foi difícil não notar que o
comportamento da tripulação da BA, para este voo, tinha algo diferente. Não
chegavam a ser mal educados ou rudes, mas faltava àquela simpatia, uma boa
disposição em sua linguagem corporal.
Hospedamo-nos
no Double Tree by Hilton onde chegamos
de táxi já jurando que o motorista estava a fazer um tour pela cidade para nos levar alguns extras leis. Mas a estadia no hotel foi tranquila e fomos muito bem
tratados, com direito a late check out
e transfer para o aeroporto.
A cidade desperta
mixed reviews. Aquela que já fora conhecida como a pequena Paris do leste, com
mais de dois milhões de habitantes, vastas e longas Boulevards e mergulhada na arquitetura
da Belle Époque, revelou-se estar
descuidada, fustigada pelos intensos invernos e nada, mas nada preparada para o
turismo.
A sinalização
para monumentos e museus é quase inexistente. Não encontramos um único centro
de turismo e os prédios públicos, que na sua ostentação se deram a conhecer ao
mundo, não estavam abertos para visita. As estações de Metro são
consideravelmente distantes umas das outras. A cidade antiga, apesar de ter
ganhado um novo pavimento e alguma revitalização, têm as faixadas de seus
prédios em ruínas. Não encontrei nenhum estacionamento subterrâneo ou mesmo
vertical; estaciona-se às margens das calçadas na velha guerra por um espaço.
Os nativos,
aparentemente sem muitos modos e jeito, demonstraram-se afáveis e disponíveis
quando interpelados e nunca encontramos alguém que não tivesse, pelo menos, tentado
falar em Inglês conosco. Conduzem seus carros como Romanos, mas
intrigantemente, respeitam as sinalizações como Ingleses. Quase não há motos
pela cidade e bicicletas, apenas nos parques.
Os parques
foram a mais grata surpresa de toda a viagem. Acompanham as longas Boulevards e suas vegetações são
riquíssimas em contrastes de pastéis e cores quentes. Árvores frondosas, muitas árvores, de troncos
grossos e altos com alamedas por entre elas, bares e esplanadas.
A cidade
antiga é alto astral, especialmente do fim de tarde em diante. Repleta de esplanadas
e bares lounge onde come-se bem,
bebe-se melhor ainda e tudo com preços de há vinte anos! Na Sexta-feira, para
aliviar o stress do voo e da chegada,
rolaram seis Cosmopolitans e dois grilled beefs que nos custaram apenas
£35.00! Fomos sempre bem servidos nos restaurantes, comida de bom aroma e
excelente aspecto e nunca tivemos a má experiência de ao nos regalarmos pelas
pastelarias, provar algo que não soubesse fresco.
Achamos a
cidade bastante grande, mas tudo muito espalhado e com excessivas áreas
abandonadas, terrenos baldios, tomados de mato. À volta do Parlamento, o segundo maior prédio público
do planeta, encontramos condomínios de luxo, mas cercados de terrenos
abandonados ou mesmo curtiços.
Entretanto,
nosso retorno foi um pesadelo. Apesar de o embarque ter sido muito mais
tranquilo do que o da ida, foi lento da mesma forma e atrasamos de novo para
decolar. Em Londres, não obtínhamos permissão para aterrar e sobrevoamos a
cidade aos espirais por quase uma hora.
Como Segunda-feira ainda foi feriado em UK, o controle de passaportes
estava parecendo a fronteira com o México. Nossas malas recusavam-se a desfilar
na esteira e para completar, ao entrarmos no carro, descobrimos que não havia
bateria. Chamada assistência, fez-se a
famosa ‘chupetinha’ e conclui-se que se tinha que mudar a bateria e finalmente
seguimos para casa depois disso, onde ao chegar, descubro que perdi as chaves
do cadeado da minha mala e que de um alicate de corte preciso recorrer.
Mas fez-me
muito bem no geral e todas as coisas vistas menos positivas, não nos impediram
de desfrutar o que de bom havia e guardo excelentes memórias. Em dez anos
gostaria de ver o que eles fizeram com aquela promissora cidade.
Uma boa
semana à todos.
Eduardo
Divério.
quarta-feira, abril 04, 2012
‘O Inferno Somos Nós’
Dentro de
uma doutrina, eu consigo entender o conceito do purgatório. Seria, mais ou
menos, algo como: você não se comportou na aula e agora vai perder o recreio até
aprender a se comportar. Mas o inferno
me confundi.
Veja
bem: Se o trabalho de Lúcifer, o anjo
caído, é recrutar pessoas, estimulá-las a fazer o mau para enfraquecer a
frequência no céu, criar concorrência, por quê, uma vez no inferno, estas
pessoas seriam punidas e torturadas pela eternidade?
Eu imagino
que a apólice contratual desta oferta prometa coisas que aliciem de verdade a
forma humana a assiná-la. Logo, Lúcifer deveria recebê-las como acontecem
naqueles pacotes fechados de férias que compramos, onde nos hospedamos num risort de luxo, com ginásio, piscina de
ondas artificiais, quadras de tênis, ski e equitação, enfim. Algo que mantenha
o contento do cliente.
E penso
isso, porque se Lúcifer vai torturar esta gente toda por terem feito o mau, por
toda a eternidade, é quase como se ele
trabalhasse como um agente infiltrado e o inferno não passasse então, do departamento de ‘perdas’ celestial! Pois afinal, estaria a aplicar uma pena
àqueles que não se comportaram, regra máxima para se entrar no céu!
Bem, é
verdade que o que se diz do ‘chifrudo’, é que ele mente, promete o que não
existe, engana, dissimula, mas tudo pelo prazer do cheiro de carne queimada?
Hummm... não sei. Eu compreendo que em termos antagônicos, o mau é algo que
degenera, destrói, corrói em relação ao bem, que constrói, prolifera e
enriquece. Daí eu consigo ver a má intenção do ‘cabeça de bode’ em querer
destruir a criação do Senhor.
Mas se Deus
é a relação direta da imagem do bem e o diabo a do mau, há aqui uma desvantagem.
O capeta foi uma anjo de alta hierarquia
um dia, rico em sabedoria, logo sua essência é o ‘bem’ e não o puro ‘mau’ como
é o puro ‘bem’ para Deus, está dando para entender? O DNA do cara é divino! Por
isso custa-me, um pouco, entender, aceitar que alguém viva a gerenciar um empreendimento,
buscando satisfação em algo que não está na sua natureza.
A tôca
serviu? Mas você conhece alguém a quem serviria, não?
Por isso,
voltando, acho que o papo da tortura eterna pode ser estratégia política do
adversário, não sei...
Mas isso
lembra-me uma piada: O indivíduo morre e vai pro inferno. Lá, é recebido pelo
diabo que o leva para uma pequena tour.
O elemento surpreende-se com as facilidades do inferno. Gente brincando sobre
relva verde, jogando futebol, a maior raive
rolando em céu aberto, ou melhor, em inferno aberto e a galera ultra-mega-híper
feliz se divertido. E aí ele passa por um canto com um cheiro de enxofre pavoroso,
gente sendo tortura e queimada e aí ele pergunta ao diabo que contraste era
aquele? Ao quê o diabo responde: Ah, nada... isso aí é para os Católicos. Eles
adoram isso.
Uma semana
de bom comportamento a todos, não vá o papo da tortura ser verdade... ;)
Eduardo
Divério,
domingo, abril 01, 2012
Retificação Intencionada
Desde que
escrevi ‘Desgaste mau Intencionado’, dúvidas instalaram-se em minha mente. À
medida que pensava nos argumentos e buscava as devidas concordâncias frásicas,
minha alma fora se inquietando e foi apenas quando escrevi o último texto que
apercebi-me o que era.
Continuo
acreditando que as pessoas merecem crédito por suas intenções e que conhecê-las,
podem nos inspirar a desenvolver esperança, maior compreensão e compaixão para
com seus atos. Contudo, há uma verdade maior: todos têm opções. Para tudo,
faz-se uma escolha.
Um homem é
julgado pelo seu comportamento, tanto numa vara criminal como numa intervenção
amigável. Aquilo que fazemos, como reagimos ao que sentimos, como tratamos as
pessoas a nossa volta, é o reflexo de uma gestão, de uma consciência e isso é o
que de fato afetará as pessoas e o meio à volta.
Não importa
o quão bem intencionada seja uma pessoa se ela sempre escolhe ceder ao medo, se
ela sempre escolhe o caminho menos doloroso, se ela sempre escolhe se esconder,
se ela sempre escolhe se omitir de decisões que são fundamentais para seu
futuro.
Claro que
não me refiro aqui a escolhas como qual curso de faculdade fazer, ou se quero
ou não me separar de uma pessoa. Refiro-me à escolhas que remodelarão um comportamento,
retificarão as consequências de seus atos e talvez, alinharem-se com suas
intenções.
Preciso voltar
atrás e dar a minha mão à palmatória; todos são responsáveis pelos seus atos,
pois há sempre uma escolha. Em decorrência
disso, pode-se ter que pagar um preço e aqui reside o brio de um, ao se estar
disposto a pagar o custo pela emenda de algo, pelo fabrico de alguma coisa ou
pela manutenção daquilo pelo seu real
valor.
Há escolhas
que são difíceis, pois habitam sobre a encruzilhada entre dois caminhos que se divergem.
Há pessoas que passarão anos sentadas à frente desta questão, sem decidir, fazendo
suas vidas imutáveis, ali, até a morte. Outras, poderão seguir um caminho pelo
qual ao longo de toda a sua extensão, viverão a fantasia do como teria sido pela outra estrada. Umas, escolherão voltar e fazer o desvio, mas outras não terão
condições de fazê-lo, e seguirão seu rumo sem olhar para trás. Cansadas.
Toda
escolha é facilmente justificada com uma lista de argumentos e isso, pode ser estratégico. Em
diferentes pontos da vida, sentimos a necessidade de reestruturar as coisas,
baseados em novos valores ou mesmo em velhos valores, mas escolher é o reflexo
do que realmente nos move, seja medo, coragem, inspiração ou paranóia. Afinal,
não mudar também é uma escolha.
O grande
lance é percebermos como tudo funciona e permitirmo-nos a escolha. É saber que
no jogo na vida, é permitido voltar atrás; que é possível se desfazer ações e acordos; que retificar um
gesto nunca é tarde; que ser feliz é a meta final deste mesmo jogo, que como
qualquer um, tem seus revezes, tem suas ciladas e contratempos, mas que sempre
nos dá a escolher.
Eu desejo a
todos uma semana de discernimento para que se façam escolhas de boas intenções.